Thursday 31 July 2014

RESENHA LIVRO ELDER ANDRADE DE PAULA

BUSCA DE OUTROS MUNDOS PARA ALÉM DA CRISE DE CIVILIZAÇÃO CAPITALISTA
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Resenhar um livro que tem como finalidade contestar o domínio do capitalismo não é algo tão confortável, dado como o debate é realizado numa rígida polarização odiosa, desrespeitosa e sectária, com desdobramentos muito previsíveis. De um lado, muitos, por não serem simpáticos à ideia, nem dão sequência a leitura. De outro lado, os simpáticos, provincianos e antiacadêmicos, quando encontrarem alguma ponderação, logo passam a rotular o resenhador de jumento, cavalo e/ou incapaz de compreender a ideia do livro.
Também, não é algo simples resenhar um texto de um autor que conhecemos de longas datas, do qual tivemos a oportunidade de ler seu trabalho anterior, nos idos de 2003, antes de chegar à banca examinadora, momento no qual tive a oportunidade de fazer os comentários que achava pertinente naquela ocasião.
Agora, o livro lançado é “Capitalismo verde e transgressões: Amazônia no espelho de Caliban”, editado pela Editora da UFGD (139 págs.), de autoria do prof. Elder Andrade de Paula, um mineiro, imigrante do princípio da década de 1980. O livro chegou em minhas mãos gratuitamente, o que facilitou e antecipou sobremaneira a possibilidade da leitura, visto que fiquei isento de participar da mercantilização do livro e/ou dos conhecimentos do autor, por meios monetários.
O prof. Elder trabalha no campo da ciência política, na Ufac. Cursou pós-graduação (mestrado, Campus de Ceropédica, e doutorado, na Av. Presidente Vargas) na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e pós-doutorado no México. Aqui cabe uma observação que ajuda muito na compreensão da leitura. O prof. Elder sempre manifestou um profundo fascínio pelo intelectual italiano, de origem marxista, Antonio Gramsci, por sua original interpretação do Estado capitalista. Expressões como sociedade política, sociedade civil, hegemonia nunca estavam ausentes de suas conversas.
Comumente, eu acompanhava todo seu fascínio pelo italiano até meados de 2007, no instante em que me afastei do Acre e passei mais de seis anos sem assistir quaisquer apresentações. Agora, no início de 2014, fui presenciar uma das falas do prof. Elder e fiquei surpreso por uma nova influência, além de Antonio Gramsci.
Assim que terminou sua apresentação, já constatei a influência de sua orientadora do pós-doutorado, Ana Esther Ceceña, pelo uso recorrente de palavras como crise de civilização, bom viver, geopolítica, transgressões, etc., que até pouco tempo não faziam parte do padrão de suas ultracombativas falas, que é uma de suas qualidades de fazer inveja a qualquer pretendente a ativista político.
Além deste aspecto, “Capitalismo verde e transgressões” traz uma outra novidade na trajetória do professor Elder. Diferente de seu livro anterior (escrito nos agradáveis ares niteroienses, de 2001-2003), agora não mais usa autores críticos (na mesma proporção) que não seguem de sua mesma linha teórica e convicção política. Ou seja, neste trabalho em questão se procura fazer uma faxina, em busca de uma quase pureza político-acadêmica. Trata-se de uma correção lógica e recomendável.
Estas duas observações são importantes, pois ajudam a compreender as permanentes pegadas contra todas as formas de políticas governamentais voltadas para Amazônia internacional, no espaço compreendido nas fronteiras da Bolívia, Brasil e Peru.
Para o autor, isso significa que quanto mais estas políticas para a Amazônia são guiadas pela lógica da sociedade moderna, fundamentada nos princípios da civilização capitalista (usando a expressão do título do livro de Fábio Konder Comparato e/ou dos textos ou palestras de Ana Esther Ceceña), tanto mais são extremamente perniciosas aos modos de vidas previamente existentes na região, à medida que são corrompidos pelo processo devastador de territorialização das relações capitalista de produção, que Elder de Paula engloba na implacável dinâmica de acumulação capitalista planetária.
O livro é guiado por um verdadeiro tour de force, composto por dois grandes vetores, (i) a ideia de capitalismo verde e (ii) a noção de desenvolvimento sustentável (que já é amplamente aceita como conceito difuso nos mais diversos meios, e que no livro é tratada meramente como ideologia), os quais são violentamente destruídos a cada página, pelo suposto de que estes são apenas ilusórias sofisticações do capitalismo para homogeneizar os processos de espoliação das populações camponesas e indígenas. Assim, Ana Esther Ceceña escreve no prólogo, realçando que a preocupação central do livro se põe “en la contrución de um mundo no sometido a la lógica capitalista”, visto que este não funciona sem destruir a natureza por estar fundamentado essencialmente na busca do lucro.
Estas duas categorias malditas (capitalismo verde e desenvolvimento sustentável), construídas e destruídas, simultaneamente – com o argumento de que servem apenas para espoliar suavemente os recursos naturais, ou no linguajar do livro, 'as bondades de la naturaleza' – têm como ilustração aplicada as políticas desenvolvidas na chamada tríplice fronteira (Bolívia, Brasil e Peru), que envolvem, respectivametne, os estados e/ou províncias do Departamento de Pando, do Acre e do Departamento de Madre de Dios.
Todas as políticas desenvolvidas nos últimos quinze ou vinte anos, relacionadas direta ou indiretamente com a questão ambiental, neste caso envolvendo o capitalismo verde e o desenvolvimento sustentável, tiveram apenas a finalidade de orientar e legitimar as ações e estratégias do capitalismo imperial voltadas para o controle dos territórios dotados de recursos naturais estratégicos. Dizendo de outra forma, ao estilo mais característico do livro, com o objetivo fundamental de aprofundar o controle e a mercantilização da natureza, de forma totalmente consentida (legitimada) pela população, à la Gramsci.
Um dos aspectos positivos do livro, dentre tantos, está na síntese histórica da formação destes três espaços – boliviano, brasileiro e peruano –, nos quais cada um têm suas peculiaridades político-econômicas, mas que se tornaram todos reféns da armadilha do capitalismo verde e do desenvolvimento sustentável.
No livro, existem dois pequenos deslizes, os quais não prejudicam em nada a lógica do trabalho, visto que não fazem parte do núcleo dos argumentos. Um se refere a noção associação entre os capitais comercial, industrial e financeiro. A outra, a afirmação de que o capitalismo vivia na era concorrencial, no período da passagem do século XIX para o XX.
Pelo fato de ser um texto de síntese, não podemos demandar tantas explicações em determinados aspectos, o que naturalmente nos deixa com certo grau de dúvida em algumas questões. Por exemplo, em relação ao papel que o Brasil desempenha na América Latina – em comparação com a condição de império dos Estados Unidos –, da forma que a questão foi levantada e concluída, talvez fosse necessário maiores desenvolvimentos.
Outra questão diz respeito ao desdobramento natural que as conclusões do trabalho levariam. Como o objetivo é a busca de formas alternativas para a sociabilidade capitalista, dado pelas severas críticas que são realizadas ao longo do texto, quando se enfrenta a questão, na seção “marchando por autonomias na e além das fronteiras amazônicas”, os caminhos não ficam delineados.
Ou seja, as populações camponesas e os povos indígenas ainda não teriam um caminho minimamente desenhado para evitarem a espoliação dos recursos naturais. O que se teria, por enquanto, seria o firme propósito de recusar taxativamente àquilo que está colocado pelo capitalismo verde e/ou pelo desenvolvimento sustentável, em troca dos postulados do bem viver, que seria, em termos gerais, conforme Ana Esther Ceceña, uma produção holística, integral, em consonância com o cosmo e a natureza, constituindo uma situação de autonomia dos camponeses e povos indígenas perante a lógica do domínio capitalista, no sentido de “construir alternativas civilizatórias”. Transgredir a ordem em busca de outros mundos não capitalistas. É uma viagem, literalmente, a leitura do livro “Capitalismo verde e transgressões: Amazônia no espelho de Caliban”.


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