Thursday 1 November 2012

A TRAJETÓRIA DA FRENTE POPULAR: SITUAÇÃO DE LOCK-IN

Não existe qualquer forma perfeita de governo em que a decisão da sucessão não se encontre nas mãos do próprio soberano.” (Thomas Hobbes, in: Leviatã)
No início do ano, quando comecei a reassumir minha condição de acriano, percebi que dez em cada dez analistas políticos de esquina e/ou de bar davam como certa a derrota da Frente Popular (FP). Ninguém tinha a mínima dúvida. Nem mesmo uma parcela expressiva da própria FP.
Mas agora, a vitória da FP nem é a questão mais fundamental. Talvez, o mais essencial é que o processo já foi transposto. Imagino que aqueles que acompanharam, diariamente, o horário político obrigatório, as manifestações públicas e as análises dos especialistas de bares, por intermédio da mídia, estejam confortavelmente aliviados.
Não tive a oportunidade de acompanhar esse movimento, sua inteireza, visto que não assisto os canais de TV locais. Apenas, percebi, já no final, que predominava uma insatisfação geral por parte daqueles menos comprometidos política, moral, econômica e comercialmente com as eleições.
Os dois candidatos que chegaram ao segundo turno expressavam, ao extremo, o significado do processo eleitoral das democracias modernas, incluindo o nosso caso, aqui, de subperiferia do centro dos poderes econômico e político nacionais.
Nem posso comentar sobre o candidato derrotado Bocalon, pois não o conheço suficientemente para tal. Dele, apenas assisti algumas entrevistas de vídeos disponíveis na internet, realizadas pelos programas das redes de TVs locais. Percebi, pelo pouco que pude ver, que é um político meio atarantado, com poucos recursos de diálogo. Nesse sentido, resta-nos somente associá-lo ao que é a oposição contemporânea brasileira, que tem como único projeto desbancar o PT, a partir de um multifacetado conjunto de causas. Nada mais, além disso.
Então, o que de relevante sobrou do processo eleitoral. Lições? Nenhuma. Digo isso, mesmo tendo um longo processo de debate, discussão e diálogo no campo da inovação tecnológica, que tem como um dos principais componentes a noção de aprendizado.
Nenhuma, porque o processo eleitoral contemporâneo, da perspectiva democrática, se constituiu de um processo absolutamente simplista. Ou seja, as campanhas eleitorais contemporâneas, nas democracias de massas, são, por sua natureza, processos infantilizados. Isso não tem nada de pejorativo. Pode até ser entendido como algo nobre, no limite das possibilidades.
Na realidade, as campanhas eleitorais se resumem às estratégias de captar votos de uma maioria, numa sociedade em que os poderes político e econômico lhes são alheios. Em sendo assim, as estratégias de conseguir votos só podem ser viabilizadas por meio de táticas manipulativas. Impossível não ser assim, dado o distanciamento das massas dos processos decisórios. O resultado mais visível é o papel desempenhado pelos marqueteiros, donde os candidatos, quando não são excepcionais, são esvaziados da essência do político, pois, o que vale é serem apresentados como messias, com poderes sobrenaturais, capazes de resolverem todos os problemas possíveis.
Esse processo eleitoral que operacionaliza este tipo de democracia, denominada de procedimental, que foi discutida bastante por Schumpeter, expressa uma situação na qual o chamado povo não tem possibilidade de qualquer tipo de poder efetivo. Isto é, o processo eleitoral representa unicamente uma disputa acirrada entre aquilo que teoricamente se denomina como elites, organizadas, por força legal, nos partidos políticos.
Dentre as várias implicações desta democracia procedimental, estaria um fato curioso. Nas eleições municipais, por exemplo, debate-se praticamente tudo; os temas levantados são infinitos.
Por outro lado, não é possível tocar em algumas questões. Aqueles pontos que ficam escondidos e jamais podem ser mencionados. É até possível passar por cima de como se obtém o apoio dos vereadores, para se alcançar uma maioria para garantir o processo de gestão; pouquíssimo debatido.
Mas, tem outras questões do grupo das escondidas que são bem críticas. É proibido discuti-las: 1) a definição do modelo de desenvolvimento urbano da cidade; 2) a especulação imobiliária e os interesses envolvidos; 3) a cooperação intermunicipal, mesmo que menos importante para nós; 4) uma discussão mais qualificada sobre educação.
A própria dinâmica do processo eleitoral afasta naturalmente alguns destes pontos. Os interesses envolvidos são mais complexos do que àqueles associados com a infinidade de outros temas que são lembrados.
Estes pontos levantados até aqui não significa dizer que não existem diferenças gritantes entre os candidatos majoritários. Óbvio que os programas políticos são distintos. A Frente Popular, mesmo com todo o desgaste dos últimos anos, não pode ser confundida com as pretensões do projeto daquilo que se convencional a chamar de oposição.
E aí emerge outra dimensão do processo político atual, que, simbolicamente, está associada ao resultado apertadinho das eleições. Uma diferença de menos um por cento, a qual pode ser interpretada de várias perspectivas, desde a incapacidade oposicionista até o alto grau de indecisão da maioria dos eleitores, em função mesmo do que é o processo eleitoral contemporâneo.
Mas, esse apertadinho, também, reflete uma das principais encruzilhadas em que a Frente Popular está postada, expressa, de modo mais explícito, na escolha do candidato para o pleito recém-passado. Nada teria sido mais dolorido para os dirigentes da Frente Popular, em caso de derrota, do que absorver o ônus da decisão da escolha de Marcus Alexandre.
A encruzilhada permanece, visto que os próximos processos de escolhas continuarão extremamente conflituosos. Na realidade, a tendência será de mais tensão. Essa é a lógica do Estado moderno. Quando Thomas Hobbes entregou o Leviatã para Carlos I, na Inglaterra do século XVII, ele não ensinou outra forma de exercer o poder, que não seja o aprofundamento das trajetórias. Ou seja, a Frente Popular não tem como sair de sua trajetória dos anos recentes de forma simples.
Tomando emprestadas as ferramentas analíticas do campo da inovação tecnológica, a Frente Popular está numa situação absoluta de lock in. Precisaria de muita criatividade para se reinventar.
Dificilmente os dirigentes da FP encontrariam um Thomas Hobbes contemporâneo, estabelecido no Acre, que escrevesse um super trabalho, tal como o Hobbes moderno fez, dizendo como o poder do século XXI deveria ser exercido, de uma maneira que fosse capaz de reinventar a trajetória atual, tirando-lhes da encruzilhada de lock in.
Não é uma situação impossível. No entanto, é melhor ter o Leviatã, de Hobbes do século XVII, do que a ousadia de seguir um Hobbes inventivo do século XXI, que demandaria um trabalho coletivo qualificado e abrangente.
Isso também se aplica ao que se chama de oposição, pois tem o agravante de não possuir nem dirigentes hobbesianos, nem projetos que unifique um discurso de Estado.
Jornal Página 20, 31out2012.

A derrota de Serra e a renovação
Por Alberto Carlos Almeida | Para o Valor, de São Paulo
PT está obrigando o PSDB a se renovar, e vice-versa. O Brasil ganhará com isso
Valor, 01-11-2012


Julgamento levou PT a se modernizar, diz Werneck Vianna
por Chico Santos | De Águas de Lindoia (MG)
Para cientista político, desempenho petista mostra que é possível avançar pelas vias institucionais
Valor Econômico - 25/10/2012


O fantasma de Schumpeter ronda as eleições-2012
Campanha parece marcada pela ideia do pensador austríaco, segundo a qual democracia é procedimento manejado pelas elites, que não deve colocar jamais em foco questões estruturais
Por Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida, no Le Monde Diplomatique




As estruturas analíticas da política comercial
Escrito por José Porfiro da Silva  
09-Jan-2013
Em maio deste ano, a presidenta Dilma Rousseff assinou o Decreto 7.734, com a finalidade de incorporar às leis brasileiras a autorização do Mercado Comum do Sul (Mercosul), facultando a criação de uma de lista de 100 produtos passíveis de terem suas tarifas de importação aumentadas.
Seguindo estas regras do Mercosul, bem como da Organização Mundial do Comércio (OMC), a tarifa de 100 produtos foi efetivamente elevada, em setembro, quando a Câmara de Comércio Exterior (Camex) aprovou a medida para proteger e, em tese, dar mais competitividade à indústria nacional em relação aos importados.
Esta medida, para nós que precisamos acompanhar, step by step, o que acontece neste campo, foi maravilhosa. Fomos agraciados com uma intensa discussão (interminável!) sobre tarifas. É sabido que no Brasil é bem difícil convencer a sociedade sobre a necessidade de se elevar tarifas, visto que a mídia é dominada por articulistas extremamente (neo)liberais. Talvez, apenas cinco por cento de acadêmicos que escrevem nos jornais são favoráveis ao uso do expediente do aumento das tarifas como meio de defender a economia do país.
Mas, é justamente por meio do diálogo, com posições diferenciadas, que é possível avançarmos e compreendermos melhor as questões e temas que são postos. No meio dos conflitos de posições divergentes, podemos entender o sentido da política (elevação das tarifas), os vários diagnósticos da economia nacional (indústria, principalmente) e as estruturas analíticas disponíveis, que nos servem de ferramentas para o debate, a discussão e a interpretação de um dos temas mais complexos e controversos da ciência econômica. Aproveitando este mote, vamos abordar alguns aspectos relacionados à estrutura de análise e aos instrumentos (ferramentas) da política comercial.
Em relações às questões dos instrumentos, eles servem para entendermos, tecnicamente, os efeitos de uma tarifa, da perspectiva analítica. Claro, que as nuanças do mundo concreto, às vezes se dão de modo difuso, não necessariamente com as mesmas características da estrutura de análise das teorias. No entanto, é o lado mais fácil e simples da discussão, visto que os instrumentos de políticas são utilizados, em tese, unicamente com duas finalidades: (1) ampliar o comércio de bens e serviços, ou, (2) contrair este mesmo comércio.
Tanto para ampliar o comércio quanto para contrair, os instrumentos atuam nos preços e/ou nas quantidades. No caso dos preços, para contrair o comércio, o governo pode utilizar tarifas ou taxas de exportação, e para ampliar, pode utilizar subsídios à importação e/ou à exportação.
No caso dos efeitos nas quantidades, para contrair o comércio, utiliza-se cotas de importação e/ou restrição voluntária à exportação, já para ampliar, é possível usar o instrumento da expansão voluntária das importações.
Quando se fala em tarifas, neste caso, elas podem ser específicas ou ad valorem. As primeiras se referem a um valor fixo cobrado por cada unidade importada de um bem. Já em relação as tarifas ad valorem, cobra-se uma fração do valor dos bens importados. Por exemplo, uma tarifa de 30% sobre o valor importado. No caso das cotas, a ideia é mais simples.
Em termos da teoria, a grande questão gira em torno da perda de eficiência (consumo ou produção) ou do ganho nos termos de troca, ambos provenientes da utilização de um instrumento de política comercial (tarifa, cota, subsídios, etc.). No geral, aparece a ideia de que é a melhor estratégia está associada com as ações que reforçam o comércio, pois traria mais benefícios para os consumidores ou produtores.
No entanto, a dimensão atraente deste tema não se restringe apenas a esta proposição convencional e dominante no meio do poder econômico e acadêmico mundial e brasileiro, de modo particular, sinalizando que é algo completamente incorreto a adoção de quaisquer medidas contrárias ao comércio internacional.
Por baixo da noção predominante de defesa das práticas do livre comércio há algumas justificativas intelectuais, até consideradas respeitáveis, que justificam medidas restritivas ao livre comércio. Pode-se mencionar as ideias de tarifas e de impostos ótimos, como meio de melhorar os termos de trocas de determinados países. Claro, que os defensores mais aguerridos do livre mercado não concordam com estas ideias.
Uma justificativa mais abrangente em favor de restrições ao livre mercado está relacionada com o argumento das falhas de mercado doméstico, principalmente por intermédio do uso da teoria do segundo melhor, por meio do uso de tarifas ou algo similar, no sentido de trazer benefícios sociais. Mesmo neste caso, os mais radicais não consideram um argumento suficiente para restringir o comércio internacional, porque as tarifas nem sempre seriam uma melhor solução para resolver as falhas de mercado, em função das dificuldades de se analisar de maneira suficiente adequada estas falhas.
Nesta contenta, tem uma vertente que considera que na prática, a política comercial é dominada basicamente pelas questões vinculadas à distribuição de renda. Ou seja, não existiria uma estrutura analítica ideal que orientasse as políticas, mas sim, uma variedade de ideias. Assim, no campo estrito da política, a teoria do eleitor mediano seria um bom parâmetro para se entender a dinâmica da política comercial. Numa esfera mais ampla, o conceito de ação coletiva seria outro mecanismo bastante valioso.
Se saíssemos do âmbito teórico, ou mesmo prático-teórico, e observássemos a trajetória da política comercial das últimas décadas, perceberíamos duas situações curiosas. De um lado, os países desenvolvidos adotando baixíssimas tarifas e/ou cotas. E, do outro, os países não desenvolvidos ou em desenvolvidos, ainda tendo estes instrumentos como elementos muito importantes para suas políticas comerciais. Por esse motivo, o fato da nossa presidenta ter usado o expediente das tarifas reflita esta situação, o que levantou a ira impiedosa dos governos do centro de poder econômico e político mundial, a exemplo das manifestações agressivas dos burocratas do governo dos Estados Unidos.
O importante, neste caso, é que o aumento das tarifas de cem produtos produtos importados pode ser analisado por várias dimensões, desde as mais abstratas, por intermédio do uso das ferramentas analíticas disponíveis, até as dimensões referentes a questão da distribuição de renda, ou mesmo os aspectos econômicos do dia a dia dos agentes econômicos.

JOSÉ LUÍS FIORI + MARTIN WOLF

O PROTÓTIPO ARGENTINO
por José Luís Fiori
Na altura da Primeira Guerra Mundial, a Argentina era o país mais rico do continente latino-americano e tinha todas as condições para se transformar na sua potência hegemônica
Valor Econômico - 30/10/2012
Foi em 1949 que Raul Prebish (1901-1986) publicou sua famosa crítica da teoria das "vantagens comparativas" e formulou sua teoria do desenvolvimento econômico "periférico", baseado na experiência histórica da Argentina. As ideias de Prebish ocuparam um lugar central no "debate do desenvolvimento", da segunda metade do século XX, mas a Argentina acabou se transformando no protótipo do "modelo primário-exportador" incapaz de se industrializar e que teria ficado à deriva, depois da crise de 1930. Sua história econômica, entretanto, não parece confirmar esse pessimismo, porque apesar de suas grandes crises e depressões cíclicas, no longo prazo, o desenvolvimento argentino foi bem-sucedido, do ponto de vista dos indicadores clássicos utilizados pelos economistas, mesmo depois dos anos 1930.
Como nos Estados Unidos, Alemanha e Japão, a Argentina também viveu uma extraordinária transformação econômica e social, entre 1870 e 1920.
Foi sua "idade de ouro", porque, em 40 anos, seu território mais que triplicou; sua população multiplicou por cinco; sua rede ferroviária passou de 500 para 31.100 quilômetros; e seu Produto Interno Bruto (PIB) cresceu a uma taxa média anual de cerca de 6% (talvez a maior do mundo, no período), enquanto sua renda per capita crescia a uma taxa média de 3,8%. Como resultado, no início do século XX, a Argentina estava entre os sete países mais ricos do mundo, e sua renda per capita era quatro vezes maior que a dos brasileiros, e o dobro da dos americanos. Nesse período, seu crescimento econômico foi liderado pela exportação de bens primários, mas se deu também na indústria, e contou com os investimento na construção da rede ferroviária que integrou o seu mercado nacional, antes do fim do século XIX.
Apesar de suas grandes crises, desenvolvimento argentino foi bem-sucedido, do ponto de vista dos indicadores
Ao redor de 64% da sua população trabalhava na indústria, comércio ou setor de serviços, e 1/3 dos argentinos viviam em Buenos Aires, uma cidade com alto nível educacional e cultural. Ou seja, na altura da Primeira Guerra Mundial, a Argentina era o país mais rico do continente latino-americano e tinha todas as condições para se transformar na sua potência hegemônica, e talvez, numa potência econômica mundial. Mas não foi isto que aconteceu, sobretudo depois de 1930, apesar de sua economia ter seguido crescendo e se industrializando, e sua sociedade ter seguido enriquecendo e melhorando sua qualidade de vida. Mesmo depois da Segunda Guerra Mundial, a economia argentina cresceu a uma taxa média de 3,78%, entre 1950 e 1973; e de 2,06%, entre 1973 e 1998.
Depois de 1930, entretanto, seu crescimento se deu de forma cada vez mais instável, por meio de ciclos cada vez mais curtos e intensos. Raul Prebish atribuiu essa inflexão às mudanças internacionais, e à forma em que operava o novo "centro cíclico" da economia mundial, os EUA, somado à fragilidade industrial endógena das economias "primário-exportadoras". Mais tarde, ortodoxos e neoliberais atribuíram a culpa dessa mudança de rumo às políticas econômicas populistas do governo Juan Domingos Perón, apesar de Perón só ter governado entre 1945 e 1955 e entre 1973 e 1974.
Existe, entretanto, outra maneira de olhar para a história da Argentina, entre a Revolução de 25 de Maio de 1810, e a destituição do presidente Hipólito Yrigoyen, no dia 6 de setembro de1930, início do que os argentinos chamam de sua "década infame". Depois da Guerra da Independência (1810 e 1816), a Argentina viveu meio século de guerra civil quase permanente, até a assinatura da Constituição de 1853, que criou o Estado Nacional da Argentina. Mesmo contra a resistência de Buenos Aires, que só se submeteu definitivamente em 1862. Depois disso, a Argentina participou da Guerra do Paraguai, entre 1864 e 1870, e logo em seguida o estado argentino iniciou suas guerras de "Conquista do Deserto", que duraram toda a década de 1870.
A conquista militar do "oeste argentino" permitiu a expansão ou ocupação econômica contínua de novos territórios, até o fim da década de 1920. Por isso se pode dizer que o Estado "liberal" argentino nasceu de uma guerra civil que durou meio século, e se consolidou com uma estratégia expansiva de ocupação de novos territórios que durou mais meio século. E foi exatamente no fim dessa expansão que estalou a crise política responsável pela desorganização periódica do estado e pela polarização definitiva da sociedade argentina. Durante a "década infame", seus vários governos praticaram políticas econômicas keynesianas e chegaram mesmo a iniciar um ambicioso programa de industrialização, idealizado pelo próprio Raul Prebish. O que lhes faltou, entretanto, foi uma nova estratégia expansiva e de longo prazo, e um grupo capaz de transformar a economia argentina num instrumento de sua própria acumulação de poder internacional.
Fica a pergunta: isto teria sido possível, num país situado fora do espaço eurasiano e do Atlântico Norte? Pelo menos, os "dependentistas" e os "neoliberais" consideram que não.
* Maddison, A., (2001) The World Economy. A Millennial Perspective,, OECD, p: 197
José Luís Fiori professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo".

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GEOPOLÍTICA E ÉTICA INTERNACINAL ({[+ wOLF, merkel}])
por José Luís Fiori - 25th September 2013
"Eu via no universo cristão uma leviandade com relação à guerra que teria deixado envergonhadas as próprias nações bárbaras". Hugo Grotius, "O Direito da Guerra e da Paz", 1625


GEOPOLÍTICA E DESENVOLVIMENTOpor José Luís Fiori
Brasil precisa descobrir como projetar seu poder e sua liderança fora de suas fronteiras sem seguir o figurino tradicional das grandes potências
Valor Econômico - 31/07/2013
https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=270557309749716&id=164451773693604 #############

O Brasil e as "potências emergentes"

Por José Luís Fiori
Brasil tem potencial de expansão pacífica e de projeção internacional de sua influencia muito maior que o dos africanos, e mais desempedida ou desbloqueada, que a dos russos e asiáticos
VALOR ECONÔMICO, 23-10-2013
Considerar a China uma "potência emergente" é no mínimo um descuido etnocêntrico ou um grave erro histórico; mas no caso da Rússia, é uma tentativa explícita de diminuir a importância de uma nação que assombra os europeus, desde que os soldados de Alexander Nevsky derrotaram e expulsaram do território russo, os cavaleiros teutônicos germânicos e suecos, na famosa Batalha do lago Chudskoie, em 1242. E que no século XX alcançou em poucas décadas a condição de segunda maior potência econômica, militar e atômica do mundo. Apesar disto, se tornou um lugar comum colocar esses dois países na categoria das "potências emergentes", ao lado da Índia e do Brasil, e a própria África do Sul acabou sendo incluída na produção midiática do Brics 

[AGONIA DO SINDICALISMO NOS EUA ACENTUA A DESIGUALDADE
por Sergio Lamucci | De Washington
Salários ficam estagnados e parcela de associados é de apenas 6,7% do total de trabalhadores
Jornal VALOR ECONÔMICO, 30-04-2014
DEBATE FUTURO DOS BRICS no Fórum Econômico Mundial em Davos]
A somatória simples indica que o peso demográfico e econômico desses cinco países é considerável. Juntos, governam cerca de 3 bilhões de seres humanos, quase metade da população mundial, e desde 2003 o crescimento do grupo representou 65% da expansão do PIB mundial. O produto interno bruto desses países já é de cerca de U$ 29 trilhões, ou seja, 25% do PIB mundial, e já é superior ao dos EUA, e da União Europeia, tomados isoladamente, pela paridade do "poder de compra". A formação de um grupo de cooperação diplomática e econômica, e a existência de um fluxo comercial e financeiro significativo dentro deste grupo de países é um fato novo e pode vir a ser a base material de algumas parcerias setoriais e localizadas entre todos ou alguns deles. Mas não é suficiente para justificar uma "aliança estratégica" entre estes cinco países que ocupam posição de destaque nas suas regiões pelo seu tamanho, território, população e economia, mas são muito diferentes do ponto de vista de sua inserção internacional, geopolítica e econômica.
Logo depois da dissolução da União Soviética, e durante toda a década de 90, muitos analistas vaticinaram o fim da grande potência eurasiana. Mas a Rússia já foi destruída e reconstruída muitas vezes por meio da sua história milenar. Por sua vez, China e Índia controlam um terço da população mundial, possuem 3.200 quilômetros de fronteiras comuns, possuem arsenais atômicos e sistemas balísticos de longo alcance, e já se enfrentaram em várias guerras.
Brasil tem potencial de projeção internacional de sua influência maior que o dos africanos, dos russos e dos asiáticos
Dentro do xadrez geopolítico asiático, China e Índia disputam várias zonas de influencia sobrepostas, e possuem algumas alianças regionais antagônicas. Por sua vez, Brasil e África do Sul compartem com os gigantes asiáticos o fato de serem as economias mais importantes de suas respectivas regiões e de serem responsáveis por uma parte expressiva do produto e do comércio da América do Sul e da África. Mas os dois países não têm disputas territoriais com seus vizinhos, não enfrentam ameaças externas imediatas a sua segurança e não são potências militares relevantes. Mesmo assim, o Brasil é mais extenso, populoso, rico e industrializado do que a África do Sul, dispõe de recursos estratégicos, tem capacidade para ser auto-suficiente do ponto de vista alimentar e energético e possui uma importância e uma projeção regional, política e econômica dentro da América do Sul, muito maior do que a da África do Sul dentro do continente africano. E por isto também, o Brasil também tem, no médio prazo, um potencial de expansão pacífica e de projeção internacional de sua influência muito maior que a dos africanos, e talvez, mais desimpedida ou desbloqueada do que a dos russos e dos asiáticos.
Nas próximas décadas, o mais provável é que a Rússia tente reverter suas perdas depois do fim da Guerra Fria, e se proponha um imediato retorno ao núcleo central das grandes potências, deixando de ser "potência emergente". Enquanto a China tende a se afastar de qualquer aliança que restrinja sua ação no tabuleiro internacional, já na condição de quem participa diretamente da gestão econômica do poder mundial. Por sua vez, a Índia não tem nenhuma perspectiva nem projeto expansivo global e deve se dedicar cada vez mais ao seu "entorno estratégico", onde a expansão da China aparece como sua principal ameaça regional. Comparado com estes três "países continentais", o Brasil tem menor importância econômica do que a China e muito menor poder militar do que a Rússia e que a Índia. Mas ao mes mo tempo, o Brasil é o único destes países que está situado numa região onde näo enfrenta disputas territoriais com seus vizinhos e, por isto, é o país com maior potencial de expansão pacífica, dentro da sua própria região. Por último, o Brasil, mais do que a África do Sul, deve manter e ampliar sua posição de Estado relevante, dentro do sistema mundial, mas com pouca capacidade ainda de projetar seu poder fora do seu "entorno estratégico" durante as próximas décadas.
Somando e subtraindo, a categoria das "potências emergentes" pode gerar iniciativas diplomáticas importantes, mas o mais provável é que este grupo perca coesão e eficácia, na medida em que o século XXI for avançando, e que cada um destes cinco países seja obrigado a tomar o seu próprio caminho, mesmo na contramão dos demais, na luta pelo poder e pela riqueza mundial.
José Luís Fiori professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo". Escreve mensalmente às quartas-feiras.

HISTÓRIA DE UM NAUFRÁGIO
por Jose Luis Fiori
É preciso olhar de frente e sem ilusões: a social-democracia e o socialismo europeus acabaram.


O BRASIL E A ÁFRICA NEGRA
por José Luís Fiori

A África é hoje o grande espaço de "acumulação primitiva" asiática, e uma das principais fronteiras de expansão econômica e política da China e da Índia


VALOR ECONÔMICO, 27-11-2013

Ao incluir a África dentro do seu "entorno estratégico" e ao se propor aumentar sua influência no continente africano, o Brasil precisa ter plena consciência que está entrando num jogo de xadrez extremamente complicado. Porque já está em pleno curso - na 2ª década do século XXI - uma nova "corrida imperialista" entre as "grandes potências" e um dos focos desta disputa é, mais uma vez, a própria África.

E não é impossível que as velhas e novas potências envolvidas na disputa pelos recursos estratégicos da África voltem a cogitar a possibilidade de estabelecer novas formas maquiadas de controle colonial sobre alguns países africanos, que eles mesmos criaram depois da Segunda Guerra Mundial.

A África é o segundo maior e mais populoso continente do mundo: tem uma área de 30.221. 532 km2 e uma população de cerca de 1 bilhão de habitantes, 15% da população mundial. O continente inclui a ilha de Madagascar, vários arquipélagos, 9 territórios e 57 Estados independentes. Os europeus chegaram à costa africana e iniciaram seu comércio de escravos negros no século XV e XVI, mas foi só no século XIX que as grandes potências europeias ocuparam e impuseram sua dominação em todo continente, menos a Etiópia. A independência africana, depois da Segunda Guerra Mundial, despertou grandes expectativas com relação aos seus novos governos de "libertação nacional" e seus projetos de desenvolvimento.

Não é impossível que as potências cogitem novas formas maquiadas de controle colonial sobre alguns países africanos

Este otimismo inicial, entretanto, foi atropelado por sucessivos golpes e regimes militares, e pela crise econômica mundial que atingiu todas as economias periféricas na década de 70, provocando prolongado declínio da economia africana. Na década de 90, inclusive, se generalizou em alguns círculos a convicção de que a África seria um continente "inviável" e marginal dentro do processo vitorioso da globalização econômica. E de fato, naquela década, apenas 1% do fluxos dos Investimentos Diretos Estrangeiros de todo o mundo foram destinados aos 57 países africanos. Depois de 2001, entretanto, a economia africana ressurgiu, acompanhando o novo ciclo de expansão da economia mundial, semelhante àquele ocorrido na América do Sul.

Esta mudança radical da economia africana se deveu sobretudo ao impacto do crescimento econômico da China e da Índia, que consumiam 14 % das exportações africanas, em 2000, e hoje consomem 27%, o mesmo que Europa e Estados Unidos, os antigos "donos" comerciais do continente. Na direção inversa, as exportações asiáticas para a África vêm crescendo a uma taxa média de 18% ao ano, junto com os investimentos diretos chineses e indianos, sobretudo em energia, minérios e infraestrutura. Neste sentido, não cabe mais dúvida, devido ao volume e à velocidade dos acontecimentos: a África é hoje o grande espaço de "acumulação primitiva" asiática e uma das principais fronteiras de expansão econômica e política da China e da Índia.

O problema é que neste mesmo período, os Estados Unidos também aumentaram seu envolvimento militar e econômico no continente, em nome do combate ao terrorismo e da proteção dos seus interesses energéticos, sobretudo na região do "Chifre da África" e do Golfo da Guiné, que deverá estar cobrindo aproximadamente 25% das importações americanas de petróleo até 2015.

E o mesmo aconteceu com a União Europeia, e em particular, com a França e a Grã Bretanha, que inclusive participaram nesse período de intervenções militares diretas no território africano. E a própria Rússia tem intensificado seus acordos envolvendo venda de armas e alguns projetos bilionários de suprimento de gás para Europa, através da Itália e do deserto do Saara.

A relação do Brasil com a África, durante quase todo o século XX, foi de estranhamento e submissão aos interesses das potências coloniais europeias e à estratégia americana da Guerra Fria. Foi só no início da década de 60 que esta posição mudou pela primeira vez, com a "política externa independente"- PEI, dos governos de Jânio Quadros e João Goulart, entre 1961 e 1964, política que foi retomada durante o governo Geisel e depois foi relaxada durante os governos neoliberais da década de 90.

Só agora, no início do século XXI, o Brasil retomou e assumiu explicitamente seu interesse estratégico na África, propondo-se irradiar sua liderança e projetar sua influencia política e econômica, sobretudo na sua região subsaariana. O Brasil é o único país sul-americano que é também negro e que tem excelentes oportunidades econômicas no território subsaariano, em infraestrutura e serviços, mas também na indústria e na capacitação da sua mão de obra. Entretanto, para manter sua decisão estratégica e conquistar espaços, o Brasil tem que estar disposto e preparado para enfrentar a pesada concorrência das velhas e novas potências, como China e Índia, que têm muito maior capacidade imediata de mobilização econômica e militar.

E terá que começar pela conscientização e mobilização da sua própria sociedade, e em particular, de suas elites brancas que sempre tiveram enorme dificuldade de reconhecer, aceitar e valorizar as raízes africanas e negras do seu próprio país.

José Luís Fiori, professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo". Escreve mensalmente às quartas-feiras.

www.poderglobal.net



O BRASIL E SEU "MAR INTERIOR"
por José Luís Fiori


Brasil segue sendo um país vulnerável do ponto de vista da sua capacidade de defesa de sua costa, e de sua plataforma marítima

VALOR ECONOMICO, 26-12-2013

Situado entre a costa leste da América do Sul, e a costa oeste da África Negra, o Atlântico Sul ocupa um lugar decisivo do ponto de vista do interesse econômico e estratégico brasileiro: como fonte de recursos, como via de comunicação, e como meio de projeção da influência do país no continente africano. Além do "pré-sal" brasileiro, existem reservas de petróleo na plataforma continental argentina, e na região do Golfo da Guiné, sobretudo na Nigéria, Angola, e no Congo, Gabão, São Tomé e Príncipe.

Na costa ocidental africana, também existem grandes reservas de gás, na Namíbia, e de carvão, na África do Sul; e na bacia atlântica, se acumulam crostas cobaltíferas, nódulos polimetálicos (contendo níquel, cobalto, cobre e manganês), sulfetos (contendo ferro, zinco, prata, cobre e ouro), além de depósitos de diamante, ouro e fósforo entre outros minerais relevantes, e já foram identificadas grandes fontes energéticas e minerais, na região da Antártica. Além disto, o Atlântico Sul é uma via de transporte e comunicação fundamental, entre o Brasil e a África, e é um espaço crucial para a defesa dos países ribeirinhos, dos dois lados do oceano.

A Argentina tem 5 mil km de costa, sustenta uma disputa territorial com a Grã Bretanha e tem uma importante projeção no território da Antártida e nas passagens interoceânicas do canal de Beagle e do estreito de Drake. Do outro lado do Atlântico, a África do Sul ocupa o vértice meridional do continente africano, e é um país bioceânico, banhado simultaneamente pelo Atlântico e pelo Indico, com 3.000 km de costas marítimas, e cerca de 1 milhão de km2 de águas jurisdicionais, ocupando uma posição muito importante como ponto de passagem entre o "ocidente' e o "oriente", por onde circula cerca de 60% do petróleo embarcado no Oriente Médio, na direção dos EUA e da Europa.

País segue sendo vulnerável do ponto de vista da capacidade de defesa de sua costa e de sua plataforma marítima

Finalmente, a Nigéria e Angola têm 800 e 1.600 km de costa atlântica, respectivamente, e as reservas de petróleo do Golfo da Guiné estão estimadas em 100 milhões de barris. Mas não há dúvida que o Brasil é o país costeiro que tem a maior importância econômica e geopolítica dentro do Atlântico Sul, com seus 7.490 km de costa, e seus 3.600 milhões de km2 de território marítimo, que podem chegar a 4,4 milhões - mais do que a metade do território continental brasileiro - caso sejam aceitas as reivindicações apresentadas pelo Brasil perante a Comissão de Limites das Nações Unidas: quase o dobro do tamanho do Mar Mediterrâneo e do Caribe, e quase 2/3 do Mar da China. O interesse estratégico do Brasil nesta área vai além da defesa de seu mar territorial, e inclui toda sua Zona Exclusiva Econômica (ZEE), por onde passa cerca de 90% do seu comercio internacional; e onde se encontram cerca de 90% das reservas totais de petróleo do Brasil, e 82% de sua produção atual; e mais 67% de suas reservas de gás natural. Além disto, o Brasil possui três ilhas atlânticas que tem importante projeção sobre o território da Antártida, e que são altamente vulneráveis do ponto de vista de sua segurança.

Apesar disto, o controle militar do Atlântico Sul segue em mãos das duas grandes potências anglo-saxônica. A Grã- Bretanha mantém um cinturão de ilhas e bases navais no Atlântico Sul, que lhe conferem uma enorme vantagem estratégica no controle da região. E os EUA dispõem de três comandos que operam na mesma área: o USSOUTHCOM, criado em 1963, o Africom, criado em 2007, e a sua IV Frota Naval criada durante a Segunda Guerra Mundial, e reativada em 2008, com objetivo explícito de policiar o Atlântico Sul. Além disto, as duas potências anglo-saxônicas controlam em comum a Base Aérea da Ilha de Ascensão, onde operam simultaneamente, a Força Aérea dos EUA, a Força Aérea do Reino Unido e forças dos países da Otan.

Na mesma Ilha de Ascensão estão instaladas estações de interceptação de sinais e bases do sistema de monitoramento global, denominado Echelon, que permite o monitoramento e controle de todo o Oceano Atlântico. Caracterizando-se uma enorme assimetria de poder e de recursos entre as forças navais e aéreas, das potências anglo-saxônicas e da OTAN, e a dos demais países situados nos dois lados do Atlântico Sul.

Neste ponto o Brasil não tem como enganar-se: possui a capacitação econômica e tecnológica para explorar os recursos oferecidos pelo oceano, mas não possui atualmente a capacidade de defender a soberania do seu "mar interior". A capacitação naval do Brasil foi inteiramente dependente da Grã Bretanha e dos Estados Unidos, pelo menos até a década de 70, e o Brasil segue sendo um país vulnerável do ponto de vista da sua capacidade de defesa de sua costa, e de sua plataforma marítima. E este panorama só poderá ser modificado no longo prazo, depois da construção da nova frota de submarinos convencionais e nucleares que deverão ser entregues à marinha brasileira, entre 2018 e 2045, e depois que o Brasil adquirir capacidade autônoma de construção de sua própria defesa aérea.

De imediato, entretanto, o cálculo estratégico do Brasil tem que assumir esta assimetria de poder como um dado de realidade e como uma pedra no caminho de sua política de projeção de sua influência no continente africano, e sobre este seu imenso "mar interior".

José Luís Fiori professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo".


www.poderglobal.net




BRASIL, EUA E O HEMISFÉRIO OCIDENTAL"
por José Luís Fiori
O principal objetivo estratégico dos EUA em relação aos países ao sul da Colômbia e da Venezuela sempre foi impedir que surgisse um polo alternativo de poder
VALOR ECONÔMICO, 29-01-2014




BANCO CENTRAL

A BANDEIRA DA INDEPENDÊNCIA
por Alex Ribeiro | De Brasília
No debate sobre autonomia do Banco Central, há um consenso: é necessário que o país tenha maturidade política para conceder liberdade à instituição
VALOR ECONÔMICO, 08-11-2013 [link FIORI]


PARA CALCULAR O FUTURO
por José Luís Fiori
O Brasil deve buscar um novo caminho de afirmação da sua liderança e do seu poder internacional. Um caminho que não siga o mesmo roteiro das grandes potências do passado
Jornal VALOR ECONÔMICO, 28/05/2014



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OS DESENVOLVIMENTISTAS NO PODER
por Pedro Ferreira e Renato Fragelli

O atual experimento se configura um retumbante fracasso: baixo crescimento, alta inflação, estagnação da indústria, atraso tecnológico e exportações em queda

valor econômico, 20-11-2013

Em nenhum momento do passado recente houve tanta unanimidade ideológica entre os formuladores da política econômica como no atual governo. A própria presidente, os ministros da Fazenda e do Desenvolvimento, o presidente do BNDES, o secretário do Tesouro, o ministro da Educação e seus principais assessores, são todos desenvolvimentistas assumidos, com passagem pelas principais escolas desta corrente. Somente no Banco Central se encontram economistas mais ortodoxos, mas estes têm tido pouca influência sobre o resto do governo.

Os desenvolvimentistas vêm diligentemente implantando as políticas econômicas que sua corrente sempre defendeu. Mas, para surpresa dos próprios desenvolvimentistas, embora não para economistas com outra formação, a experiência não deu certo. As políticas em vigor baseiam-se em quatro pilares. O primeiro é uma política cambial destinada a manter o câmbio desvalorizado, de forma a aumentar a competitividade das empresas nacionais, na esperança de que isso as estimule a adotar tecnologias de ponta. O segundo consiste numa política monetária que mantém os juros reais baixos de forma a estimular o investimento. O terceiro pilar é a atuação direta do governo via aumento dos gastos para estimular a demanda, ou indiretamente por meio das empresas estatais, ou ainda pela coordenação de investimentos privados por meio de bancos públicos. Finalmente, a política industrial trataria de estimular setores "estratégicos", incentivar a adoção de novas tecnologias e proteger da concorrência externa - talvez temporariamente - aquelas empresas e setores com potencial de crescimento.

Esses pilares dão continuidade às medidas adotadas (mais timidamente) durante os dois governos Lula. Desde a posse da atual presidente, a desvalorização nominal do câmbio foi de 40%, e a real de 20%. A taxa de juros Selic foi agressivamente reduzida, a partir de setembro de 2011, até atingir sua mínima histórica de 7,25%. Embora hoje esteja em patamar mais elevado, seu nível encontra-se bastante baixo em termos históricos.

Prática foi um fracasso: crescimento baixo, alta inflação, estagnação da indústria e exportações em queda.

Em relação à atuação do governo, não só os gastos públicos têm aumentado continuamente, como o ativismo e a maior intervenção na esfera produtiva tornaram-se marcos da atual administração. A despesa do governo federal aumentou R$ 79 bilhões - uma expansão de 13% - somente em 2013. O superávit primário deve cair à metade durante o atual governo, enquanto o déficit nominal atinge 3% do PIB. Os subsídios, benefícios financeiros e creditícios atingirão R$ 72 bilhões no ano, e o crédito dos bancos públicos, que se expandiu fortemente após a crise de 2008, continuará em patamar elevado. É verdade que os investimentos públicos estão estagnados, mas para quem até hoje considera que cavar e tapar buracos é uma eficiente política de demanda, isto não deveria ser um problema.

Finalmente, desde 2004, três ambiciosos programas de política industrial foram implantados: em 2004, a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior; em 2008, o Programa de Desenvolvimento da Produção; e no atual governo, o Plano Brasil Maior. Esses programas buscavam, por meio de diferentes instrumentos, estimular a inovação, a modernização industrial, a inserção externa e exportações, bem como o aumento da taxa de investimento. Ainda no campo de políticas setoriais, acrescentem-se o progressivo fechamento da economia, as ambiciosas metas para componentes nacionais, bem como a agressiva atuação do BNDES no subsídio ao investimento e consolidação de grandes grupos nacionais.

Não faltou nada do receituário heterodoxo. O resultado, entretanto, mostrou-se um fiasco. O crescimento médio do PIB, ao longo dos quatro anos do atual governo, caminha para míseros 2% ao ano e a taxa de investimento permanece estagnada em 18,5% do PIB. Além de baixo, o pouco crescimento alcançado foi puxado pela agricultura e serviços, justamente os setores considerados menos nobres pelos desenvolvimentistas.

O desempenho não é melhor na área externa. Um dos objetivos das políticas industriais oficiais era a expansão das exportações, mas estas vêm caindo desde 2011, passando de US$ 256 bilhões para prováveis US$ 240 bilhões em 2013. E isto em um período de recorde de produção e exportação de commodities agrícolas. O déficit em conta corrente deve ficar em 3,6% do PIB, mais um recorde. Com a inflação dos preços livres acima de 7%, a inflação oficial só não superou o teto da meta devido ao controle dos preços administrados. Controle este que vem prejudicando fortemente a Petrobras, mais um contrassenso em um governo desenvolvimentista.

Finalmente, apesar das políticas industriais, das inúmeras medidas de micro gerenciamento, dos créditos subsidiados e da proteção comercial, o crescimento da indústria mostrou-se desapontador, assim como a inovação e adoção de novas tecnologias. Como bem registrou neste espaço há duas semanas David Kupfer, um insuspeito defensor de políticas setoriais, "há uma desagradável sensação de que o hiato da indústria brasileira frente à fronteira tecnológica internacional está novamente aumentando". A indústria não cresce e não inova.

Em suma, do ponto de vista dos seus próprios objetivos e metas, bem como de suas métricas de avaliação, o atual experimento desenvolvimentista se configura um retumbante fracasso: baixo crescimento, alta inflação, estagnação da indústria, atraso tecnológico e exportações em queda.

Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso são professores da Escola de Pós-graduação em Economia (EPGE-FGV) e escrevem mensalmente às quartas-feiras.



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A realidade do futuro fiscal dos EUA

Por Martin Wolf
Os EUA criaram grandes programas sociais. Mas parecem incapazes de chegar a um consenso em torno dos impostos necessários para custeá-los.
VALOR ECONÔMICO, 23-10-2013
A partir da frenética batalha política e dos choques de opinião das últimas semanas, um observador poderia concluir que os Estados Unidos se defrontam com uma catástrofe fiscal. Não é verdade. A posição fiscal do país melhorou drasticamente e não representa qualquer risco de médio prazo. A única crise fiscal com que os EUA se defrontam é a infligida pelo suposto desejo de evitar um episódio desse tipo. A verdadeira questão é que governo os americanos querem e a maneira pela qual eles optam por custeá-lo.
Entre 2007 e 2009 o déficit fiscal do governo geral dos EUA, que inclui Estados e municípios, saltou de 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB) para 12,9%, em decorrência da crise financeira. Mas a mais recente projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) aponta para um déficit de 5,8% do PIB neste ano e de 3,9% em 2015. Boa parte desse aperto é considerada estrutural, com um déficit de apenas 3,9% este ano, inferior aos 8% de 2010. O aperto fiscal de 2,6% deste ano ajuda a explicar a precariedade do crescimento. Com o abrandamento do entrave fiscal, o crescimento deverá se intensificar. As mais recentes previsões de longo prazo do apartidário Departamento de Orçamento do Congresso (CBO, nas iniciais em inglês) também justificam o otimismo com o médio prazo. Elas mostram uma queda, de 73% para 71%, da relação dívida federal em poder do público sobre PIB nos próximos dez anos.
No ano passado o CBO fez duas previsões: uma básica e uma alternativa. A básica tinha como pressuposto que as reduções de impostos da era George W. Bush expirariam, como previsto em lei. Em decorrência desse e de outros fatores, a receita alcançaria 24% do PIB em 2037. O BCO considerou essa projeção implausível - corretamente, como ficou claro depois: os cortes de impostos de Bush não expirariam na totalidade. O CBO forneceu uma alternativa. Partiu do pressuposto de que as reduções de impostos (e o alívio proporcionado pelo imposto mínimo alternativo) seriam prorrogadas até 2022. Depois, sua premissa foi de que as receitas permaneceriam em seu nível de 2022, de 18,5% do PIB. As novas previsões, que mostram a dívida alcançando 100% do PIB 25 anos a partir dessa data, são piores do que o cenário básico do ano passado, no qual as reduções de impostos de Bush expiravam, mas muito melhores que a alternativa anterior do CBO.
Os EUA criaram grandes programas sociais. Mas parecem incapazes de chegar a um consenso em torno dos impostos necessários para custeá-los, sustentando, ao mesmo tempo, as funções governamentais essenciais num nível razoável.
Será que essa projeção de longo prazo é um desastre? Não. Os Estados Unidos provavelmente conseguirão sustentar a dívida em poder do público em 100% do PIB. É um coeficiente alto, mas, no limite, administrável. Os custos de fazer isso dependerão da taxa real de juros. Se ela não for superior à taxa real de crescimento (em consonância com a experiência de longo prazo), o país sequer precisará ter um superávit primário para estabilizar o coeficiente de endividamento. Além disso, os aumentos de arrecadação e as reduções de gastos necessários para manter a dívida em 73% corresponderiam a 0,8% do PIB atualmente e a 1,3% em 2020. Isso é pouco em relação ao que foi obtido nos últimos anos.
O CBO sustenta que "reduzir a dívida de novo a 39% do PIB em 2038 - nível em que estava em 2008 -, exigirá uma combinação de aumentos de arrecadação e de reduções em gastos não referentes a juros num total de 2% do PIB nos próximos 25 anos". As previsões de 2012 sugerem que deixar as reduções de impostos de Bush expirar teria gerado parte desse declínio.
Uma vez que a economia americana teve um bom desempenho na década de 1990, antes dessas reduções financeiramente inacessíveis, é estranho que Barack Obama não as tenha deixado expirar quando teve a oportunidade, na luta em torno do "abismo fiscal" do fim de 2012. Essa iniciativa teria dado ao presidente a alavancagem que lhe falta agora para obter um ajuste fiscal equilibrado. Em vez disso, ele deixou o país na angustiante perspectiva do gatilho automático de cortes previsto em lei.
Mesmo assim é bem possível que não seja necessário qualquer ajuste fiscal mais profundo para reduzir o endividamento. No segundo trimestre de 2013, o PIB estava 14% inferior à sua tendência de 1980 a 2007. Ele poderá recuperar boa parte disso. Na verdade, como observou o ex-secretário do Tesouro, Lawrence Summers, as projeções da diferença entre os números muito maiores da arrecadação e dos gastos durante um quarto de século são violentamente incertas.
O crescimento não apenas é incerto, mas facilmente maleável à formulação de uma política pública inteligente tanto no curto quanto no mais longo prazo. O país pode esperar até a década de 2020 para decidir fazer mais alguma coisa. Mas isso não significa que não haja importantes desafios fiscais. É fácil vislumbrar pelo menos cinco deles.
Primeiro, o processo de ativação do gatilho automático de cortes é arbitrário. Precisa ser mudado. Segundo, como observa Ezra Klein, de "The Washington Post", o governo federal é "um conglomerado de seguro protegido por um exército grande, permanente". O CBO prevê que os gastos com previdência social vão crescer de 4,9% do PIB para 6,2%, e que os gastos com assistência médica se elevarão de 4,6% para 8% do PIB no próximo quarto de século. Outros gastos, como os voltados à ciência e educação, sofrerão violento aperto. Se os gastos militares corresponderem a 4% do PIB, os demais gastos, além dos com previdência social, assistência médica e juros, corresponderão a 3% do PIB em 2038 - nível excessivamente baixo para sustentar serviços essenciais.
Terceiro, uma parte da solução é reduzir os gastos com aposentadorias e despesas médicas. Quanto a estas, há uma oportunidade. O governo americano gasta em saúde o mesmo percentual do PIB que muitos Estados de bem-estar social europeus, ao mesmo tempo em que cobre uma parcela muito menor da população. Quarto, os EUA precisam de uma reforma fiscal. Nesse caso o espaço para uma maior eficiência e equidade é enorme.
Finalmente, a parcela do PIB arrecadada terá de subir. Os 19,7% do PIB previstos pelo CBO para 2038 são baixos demais, a não ser que o Tea Party diminua os gastos com previdência social e com o Medicare. Os dados do CBO sugerem que pode ser necessário um aumento da receita federal para 22% do PIB.
Esse percentual é certamente alcançável e define a natureza do debate, que não diz respeito à dívida. Diz respeito à possibilidade, ou não, de os americanos pagarem os impostos necessários para custear o governo que instalaram. Os EUA criaram grandes programas sociais. Mas parecem incapazes de chegar a um consenso em torno dos impostos necessários para custeá-los, sustentando, ao mesmo tempo, as funções governamentais essenciais num nível razoável. Essa luta está disfarçada por trás da retórica em torno da insustentabilidade da dívida e do desestímulo representado pelos aumentos modestos da taxação. Se os EUA criarem, efetivamente, um enorme problema fiscal para si, será porque o acordo em torno do equilíbrio entre o que o governo faz e a forma pela qual isso é financiado é impossível. Mas, em primeiro lugar, as crises artificiais das últimas semanas têm de cessar.(Tradução de Rachel Warszawski).
Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT

KEYNES AND CRISIS IV (MARTIN WOLF)








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