Sunday 17 May 2009

BRASIL - POLÍTICA ECONÔMICA x CRISE

É possível evitar a recessão no Brasil em 2009?
André Nassif
18/05/2009
A flexibilização da política monetária é importante no contexto atual, mas a ênfase deve recair na política fiscal
Desde março do corrente ano, projeções não-oficiais já indicavam crescimento nulo da economia brasileira para 2009. A mais recente projeção do FMI também apontou, pela primeira vez, variação negativa do PIB real brasileiro em 2009 (-1,3%). As projeções oficiais, no entanto, continuam otimistas: o Brasil poderá fechar o ano com crescimento de entre 1,2% (Banco Central do Brasil) e 2% (Ministério da Fazenda). Qual dessas projeções é a mais correta? Ainda que contrarie a lógica, todas poderão se revelar acertadas. A razão principal é que, por se basear em indicadores antecedentes, os resultados dependem basicamente das hipóteses relacionadas à abrangência, intensidade e efeitos das políticas anticíclicas em curso. No momento, existe maior clareza em que, devido aos fortes impactos financeiros e reais adversos emanados da crise global em curso, medidas de estímulo monetário e fiscal são condição necessária, mas não suficiente para evitar a recessão no Brasil. A condição suficiente é que tais estímulos sejam efetivados com a conveniente rapidez, intensidade e capacidade de produzir efeitos imediatos na demanda agregada.
No caso brasileiro, desde o agravamento da crise global a partir de meados de setembro de 2008, não apenas as medidas de estímulo monetário, mas também as de estímulo fiscal vinham se pautado pela lentidão e fragilidade. Com relação às respostas monetárias de combate à crise, já foi suficientemente criticado o longo tempo decorrido entre o agravamento da crise global e o início do ciclo de redução das taxas básicas de juros pelo Banco Central do Brasil, ocorrido apenas em janeiro de 2009. Daí até março, a Selic recuou apenas 2,5 pontos percentuais, mesmo com a produção industrial em queda desde novembro de 2008 e o PIB brasileiro tendo sofrido uma variação negativa de 3,6% no último trimestre de 2008 relativamente ao trimestre anterior. Era a prova que faltava para mostrar que a reação da política monetária brasileira como instrumento antirrecessivo foi muito pouco intensa. Só para dar uma ideia de comparação, entre outubro de 2008 e janeiro de 2009, a taxa básica de juros na Índia havia sido reduzida sucessivamente de 9% para 5,5%, um recuo de 3,5 pontos de percentagem num país que, no início do ciclo de redução dos juros, vinha enfrentando uma inflação anual de cerca de 9%
Diante das elevadas taxas de juros reais ainda vigentes no Brasil, diversos analistas têm defendido o uso da política monetária como principal instrumento anticíclico. Alguns vão além e chegam a não recomendar o uso da política fiscal, sugerindo que aumento de gastos governamentais só faria resgatar o descontrole da trajetória da dívida pública no longo prazo. Entretanto, essa tese não tem qualquer fundamento empírico. Com a melhora significativa do perfil da dívida líquida do setor público como proporção do PIB nos últimos anos, o mercado está suficientemente informado de que qualquer recuo na política de ajuste fiscal em curso até setembro do ano passado deverá ser uma estratégia temporária para evitar o aumento do desemprego no Brasil. Cabe enfatizar que, ante a perda generalizada de confiança e acentuada preferência por liquidez, os estímulos monetários per se dificilmente serão capazes de reativar o consumo e o investimento privados, pelo menos na magnitude necessária para evitar a recessão no Brasil.
Em 2008, foram os componentes domésticos os principais responsáveis pelo crescimento do PIB pelo lado da demanda agregada. Para o crescimento de 5,08% no PIB efetivo do ano passado, 2,41 pontos percentuais foram decorrentes do investimento bruto (47% do total) e 3,27 pontos percentuais do consumo das famílias (64% do total). Diante da acentuada retração observada em ambos os componentes no último trimestre de 2008 relativamente ao trimestre anterior (respectivamente, de -9,8% e -2%) e, sendo óbvio que as exportações continuarão sendo fortemente castigadas pela queda dos preços das commodities e pela brutal contração do comércio global, somente os investimentos públicos, ainda que não consigam compensar totalmente a queda daqueles componentes, serão capazes de reanimar, por meio dos conhecidos multiplicadores de renda e emprego, a atividade econômica agregada. É verdade que 2009 já é um ano "perdido" não só no Brasil como na maioria dos países, no sentido de que não será mais possível preservar a taxa de crescimento anual observada no ano anterior. Porém se a pergunta for sobre a possibilidade de irmos razoavelmente além do crescimento zero, a resposta é sim, dependendo da rapidez e intensidade das respostas que ainda precisam ser dadas - sem prejuízo dos estímulos monetários e ao crédito já em curso -, do lado da política fiscal.
É preciso reconhecer que as medidas de estímulo fiscal que haviam sido divulgadas até o final de fevereiro não teriam força suficiente para impedir a recessão econômica em 2009, porque, mesmo levando-se em conta os investimentos previstos pela Petrobrás (da ordem de 1,7%), os investimentos do governo federal, programados em 1,2% do PIB, só teriam um acréscimo de 0,2 pontos percentuais em relação a 2008. Apesar das críticas de alguns economistas e colunistas econômicos, foram corretas as decisões recentes de intensificar as medidas de estímulo fiscal, tais como a prorrogação da isenção de tributos indiretos na compra de automóveis e a inclusão de diversos bens duráveis na lista de renúncia fiscal, o pacote de investimentos em habitação e, principalmente, a redução da meta de superávit primário para o ano em curso. Esses estímulos adicionais poderão fornecer o combustível necessário para desviar a trajetória de crescimento da economia brasileira da rota do crescimento zero ou negativo em 2009. O problema é que, no caso dos investimentos públicos adicionais, seus efeitos delongam algum tempo para maturar. Por isso, para que o crescimento do PIB em 2009 contrarie as projeções do FMI e fique mais próximo da projeção oficial, é necessário que o pacote de investimentos públicos programados seja concretizado o mais rápido possível. Como diria o economista John Hicks, contemporâneo de Keynes e primeiro crítico da Teoria Geral do Emprego, o momento requer o uso da "teoria da grande depressão do sr. Keynes". Isso significa que a flexibilização da política monetária é importante no contexto atual, mas a ênfase deve recair na política fiscal.
André Nassif, doutor em Economia pela UFRJ, é economista do BNDES. As opiniões do artigo não refletem a posição oficial nem do governo brasileiro nem do BNDES. E-mail: andrenassif@bndes.gov.br



Retomada do crescimento e investimentos
Maria Cristina Pinotti e Affonso Celso Pastore
18/05/2009
O PIB do quarto trimestre de 2008 declinou, e quando o IBGE publicar o número do primeiro trimestre de 2009 saberemos que tivemos dois trimestres consecutivos de queda. A boa notícia é que muito provavelmente a recessão se encerrará já no segundo trimestre de 2009, quando o Brasil terá uma taxa positiva de crescimento, ainda que pequena. Olhando um pouco mais adiante veremos que o país continuará se recuperando, tendo todas as condições para sair da crise crescendo um pouco mais rápido do que os países industrializados. São várias as razões para isto. Uma regulação bancária mais rígida isolou o seu sistema bancário das perdas enfrentadas pelo sistema financeiro internacional, e antes que a crise se instalasse o governo havia eliminado a componente dolarizado da dívida pública, cujo tamanho vinha caindo devido o cumprimento das metas do superávit primário. Tinha, também, ao lado do controle da inflação, acumulado reservas, que junto com o declínio da dívida externa havia gerado sólida posição das contas externas.
Por isso o governo habilitou-se a reagir à atual crise seguindo políticas contracíclicas. O BC vem baixando os juros, e o governo teve liberdade de baixar os superávits primários sem riscos de gerar a não sustentabilidade da dívida pública. Estas são políticas macroeconômicas que estimulam a recuperação, e por isso há razões para otimismo. Mas o mundo real não é tão simples, e apesar de todas estas condições favoráveis a recuperação da economia brasileira, no futuro próximo, será lenta. Por quê?
Comecemos olhando para a profundidade da atual recessão brasileira. Com base em dados mensais mostramos no gráfico 1 as taxas anuais de variação da produção industrial. É fácil ver que a queda atual foi maior do que: no Plano Collor, em 1991; no contágio das crises: mexicana, em 1995; do sudeste asiático e russa, em 1997 e 1998; no contágio do default da Argentina, em 2001; e na transição do governo FHC para o governo Lula, em 2003. A razão para isto é simples. Esta é uma crise internacional que devido à crise bancária e à destruição de riquezas provocou, ao mesmo tempo, forte contração no consumo e nos investimentos em todos os países. Quedas de produção industrial da grande magnitude ocorreram na Europa, Reino Unido, Japão, Estados Unidos e na grande maioria dos países emergentes, e em todos estes países há fortíssima contração da formação bruta de capital fixo.
Recuperar o crescimento quando se enfrentam níveis baixos de utilização da capacidade instalada é sinônimo de ampliar a demanda agregada. Por isto "agora somos todos keynesianos". E é por isso que podemos confiar em que as políticas contracíclicas colocadas em ação pelo Banco Central e pelo governo brasileiro terão algum êxito. A dúvida que existe neste ponto não é sobre a direção na qual a economia se moverá, mas sim sobre a intensidade do movimento. Já que "somos todos keynesianos", temos que nos lembrar que a força dominante por trás de uma recuperação da atividade econômica é o investimento em capital fixo. Uma propensão a consumir mais elevada aumenta o efeito multiplicador dos investimentos contribuindo para expandir mais fortemente a demanda. Mas somente pode produzir esta ampliação caso os investimentos efetivamente se recuperem. E o que nos dizem as evidências empíricas a este respeito?
No gráfico 2 superpomos o hiato do PIB e as taxas anuais de variação da formação bruta de capital fixo em cada trimestre, no Brasil. É visível que há uma clara correlação positiva, ou seja, um crescimento do produto atual relativamente ao potencial sempre acompanha uma elevação da taxa de crescimento da formação bruta de capital fixo. Podemos dar um passo além, afirmando que as variações nos investimentos causam as mudanças no hiato de produto. Contudo, se fizéssemos um gráfico idêntico substituindo as taxas de variação dos investimentos pelas taxas de variação do consumo das famílias, a correlação positiva praticamente desapareceria.
Ora, os movimentos do hiato de produto nada mais são do que os movimentos do índice de utilização da capacidade instalada, que caem quando a demanda agregada se retrai e se expandem quando a demanda agregada cresce. E o paralelismo das duas séries no gráfico 2 mostra que são as variações dos investimentos que predominantemente geram as variações da demanda agregada. A variável que determina a velocidade à qual passaremos a crescer, recuperando a capacidade ociosa, é o investimento em capital fixo. A ampliação do consumo contribui para a recuperação, mas sua contribuição é pequena e incapaz de sustentar o crescimento acelerado da demanda recolocando a economia em pleno emprego mais rapidamente.
Como "somos todos keynesianos" sabemos, também, que além da taxa real de juros os investimentos dependem das expectativas de retorno. Se estas expectativas não forem otimistas, nem uma queda gigantesca da taxa real de juros consegue despertar o "espírito animal" que foi anestesiado pela recessão. Ocorre que com suas fábricas operando com baixos níveis de utilização de capacidade, e com o mundo ainda em recessão, emitindo ondas de contração que atingem o Brasil, os empresários não têm estímulos para investir no futuro próximo. Há evidências que reforçam este ponto: quando o IBGE publicar o PIB do primeiro trimestre de 2009 veremos que ocorreu uma queda gigantesca nos investimentos, e não há nas séries de produção e de importações de bens de capital, até o momento, nenhuma indicação de que os investimentos em capital fixo estão sendo retomados. Teremos uma recuperação, mas ela será lenta.
Podemos ficar otimistas quanto á recuperação da economia brasileira nos próximos meses. Mas não quanto à sua velocidade.
Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti são economistas e escrevem mensalmente às segundas.




Argentina: um longo curto prazo
Maria Cristina Mendonça de Barros, Sergio Vale e Ana Laura Menegatti
18/05/2009
O impasse político acelera o conflito na economia, e vice-versa; não há pensamento econômico no governo
A Argentina é um país que, embora ainda esteja bem posicionado nos índices das Nações Unidas referentes à qualidade de vida, está entre os últimos nos quesitos de transparência e corrupção. A avaliação generalizada é de que o país está com sua institucionalidade rompida e que os limites entre Estado e governo não existem. O país vive hoje um hiper presidencialismo sob a batuta do casal Kirchner (onde o marido tem o poder de fato) e os demais poderes da República estão fragilizados.
A "dinastia" Kirchner iniciou-se em 2003 com o governo de Néstor Kirchner e continua no governo de Cristina eleito em 2007. O casal nestes seis anos de poder governou com maioria no Congresso, aprovando com facilidade a maior parte dos projetos enviados à Casa. Porém, dada a forma de atuação personalista do casal, sofreu uma crescente deterioração das expectativas (a popularidade da atual presidente caiu de 56% para 29% em apenas um ano). À queda de popularidade se associou uma piora importante da atividade econômica e o governo Kirchner, acostumado a atuar com o "caixa cheio", começou a perder apoio político de forma relevante. A derrota, ano passado, na votação da resolução 125 que aumentava o imposto de exportação de produtos agrícolas foi um divisor de águas neste cenário. Para a maioria dos analistas, a era Kirchner poderá entrar num impasse terminal a partir das eleições legislativas, que foram antecipadas na "canetada" para 28 de junho.
Enquanto isso, o governo segura o caixa o quanto for necessário. Kirchner governa como governava a sua província: olha o caixa e nada mais. Não há nenhuma estratégia de longo prazo. Não há pensamento econômico no governo. Mas o que preocupa é o que podem fazer a mais para conseguir governar.
Exemplo do que se pode fazer se vê na manipulação das estatísticas oficiais. No Indec, aparentemente apenas os números de setor externo são confiáveis. A inflação já se sabia manipulada e a indústria e as contas nacionais já estão seriamente afetadas segundo consenso dos analistas ouvidos. Nas estimativas de economistas ouvidos pela MB, desde 2007 pelo menos as estatísticas oficiais de atividade têm sido manipuladas, o que vale dizer que o PIB da Argentina deve ter crescido 7,5% em 2007, 3% em 2008 e o consenso aponta queda média de 2,5% nas projeções para 2009.
Essa percepção de incerteza nas estatísticas e na política gera questionamentos do mercado internacional sobre a capacidade argentina de sair da crise em tempo hábil. Até o momento, cerca de US$ 4,5 bilhões já saíram do país nos primeiros três meses do ano, depois de uma fuga da ordem de US$ 22 bilhões em 2008. Com toda a turbulência política que o segundo semestre promete, o governo terá que obter US$ 6 bilhões para pagamento de dívida externa. Há fôlego ainda pelas reservas, que estão em US$ 46 bilhões. Recursos do FMI deverão ser necessários e já estão sendo negociados com o governo. Com a necessidade prevista de pagamento de US$ 20 bilhões de dívida em 2010, a percepção consensual dos analistas é que 2009 não deverá ser problema, mas 2010 corre sério risco de aprofundamento da crise, o que poderia significar retração ainda mais intensa de atividade. Uma possível solução seria acelerar a depreciação cambial, mas que poderia reverter em pressão inflacionária num país que já deverá fechar o ano com inflação próxima a 14%. O impasse político acelera o conflito na economia, e vice-versa, ou seja, a solução para o imbróglio não deverá ser trivial.
E para acelerar a crise, o setor agropecuário passa pela pior seca dos últimos 60 anos. A Argentina deve colher uma safra de grãos semelhante ao que foi cerca de dez anos atrás. Considerando soja, milho e trigo, a produção deve atingir, até agora, 54 milhões de toneladas na safra 2008/09, queda de 36% se comparada à safra passada. Embora as estimativas do Departamento de Agricultura dos EUA apontem a produção de soja em 34 milhões de toneladas, levantamentos recentes feitos por agentes do setor no país indicam que o valor da produção pode chegar até os 31 milhões de toneladas. De qualquer modo, as perdas são bastante significativas. No caso do milho, o valor final da colheita deve atingir os 13 milhões de toneladas (-41%) e do trigo, 8,4 milhões de toneladas (-50%).
Como se não bastasse o grave problema climático que afeta a região, a discórdia entre o governo e o setor rural segue acirrada. Enxergando o setor unicamente como um gerador de tributos, o governo, através das retenciones, retira do produtor importante parcela da sua rentabilidade. Em um ano de preços menores no mercado internacional, custo elevado, como foi a safra 2008/09, e com as retenções do governo, a situação do produtor torna-se complicada. Entre os principais cultivos (soja, milho e trigo) todos apresentam rentabilidade negativa.
A questão pecuária também não está diferente. O abate de fêmeas é cerca de 54% do abate total quando o normal é 47% e, de acordo com as informações que obtivemos em nossas reuniões, é muito provável que em 2010 a Argentina se torne também importadora de carnes e de leite.
Como não poderia ser diferente, o clima que permeia a formação das expectativas em relação à safra 2009/10 não é dos melhores. Os produtores estão com dificuldades para financiamento uma vez que o crédito mundial foi reduzido e a receita da safra 2008/09, que poderia saldar as dívidas da safra atual e financiar a próxima safra, foi bastante afetada pela seca, pela redução dos preços no mercado internacional e pelas retenções.
Soma-se a isso a previsão meteorológica de que o outono na Argentina, que coincide com o início da safra 2009/10, deverá ser seco e que as poucas chuvas previstas não devem recompor o perfil de água no solo necessário para uma safra normal de trigo, que finaliza seu plantio em meados de agosto.
Até a eleição de junho o cenário político e econômico deverá continuar se deteriorando e, depois disto, é uma incógnita. Diante deste quadro, as expectativas quanto a Argentina devem ficar piores. A paralisia dos processos decisórios no setor privado deverá dar a tônica, fazendo da Argentina um país cada vez mais necessário de estratégias de saída de curto prazo, mas com um longo prazo impossível de se planejar.
Maria Cristina Mendonça de Barros e Sergio Vale são economistas da MB Associados.
Ana Laura Menegatti é analista da MB Agro.


A crise econômica mundial e a primavera dos zumbis
A despeito de alguns brotos primaveris exagerados e celebrados com um insensato otimismo digno do maior respeito, deveríamos nos preparar para outro inverno sombrio na economia global. Chegou a hora do plano B para reestruturar a banca. E de outra dose de remédios keynesianos. Pode ser que o fundo do poço esteja próximo e talvez seja alcançado no fim do ano. Mas isso não significa que a economia global se encontre em condições de se recuperar de maneira robusta no curto prazo. A análise é de Joseph Stiglitz.
Joseph Stiglitz - 12-05-09
As mensagens tóxicas de Wall Street
Um dos legados desta crise será uma batalha de alcance global em torno de idéias. Ou melhor, em torno de que tipo de sistema econômico será capaz de trazer o máximo de benefício para a maior quantidade de pessoas. É possível que a crise atual não tenha ganhadores. Mas sem dúvida produziu perdedores e, entre esses, os defensores do tipo de capitalismo praticado nos EUA ocupam lugar de destaque. A análise é de Joseph Stiglitz.
Joseph Stiglitz - SinPermiso - 16-06-2009

O dólar furadoDavid Kupfer
19/08/2009
Mais rápido no gatilho do que o protagonista do clássico filme de western spaghetti que serviu de inspiração para o título desta coluna, a taxa de câmbio brasileira girou sobre si mesma e disparou de volta aos níveis preocupantes de apreciação que prevaleciam no período pré-crise. De fato, entre janeiro e julho de 2009, o dólar desvalorizou-se ante o real em mais de 20%, enquanto que, em comparação com uma cesta de moedas de outros países, a queda foi de apenas 4%, desautorizando os argumentos simplistas que tentam minimizar o problema da valorização do real, atribuindo-o à perda de valor da moeda norte-americana. Para muitos analistas, ao contrário, o atual valor do dólar, na casa de R$ 1,85, já corresponde a uma taxa de câmbio real efetiva comparável ou mesmo inferior a que vigorava em meados de 2008, razão pela qual a atual rodada de apreciação cambial é um problema brasileiro, talvez a mais grave distorção apresentada pela economia do país neste momento, e assim deva ser encarada pelos formuladores da política econômica nacional.
Essa insistência da taxa de câmbio em testar seu piso levanta uma série de dúvidas sobre as verdadeiras origens dessa tendência. Desde 2004, quando o atual ciclo de valorização do real se consolidou, não é possível desvincular o comportamento da taxa de câmbio e dos preços em dólares dos produtos básicos agrícolas, minerais, metálicos e energéticos fixados nos respectivos mercados internacionais. O gráfico mostra uma correlação (negativa) quase perfeita entre os preços internacionais de commodities, medido pelo índice CRB Spot, divulgado pela Commodity Research Bureau, e a taxa de câmbio nominal no Brasil nos últimos anos. Normalmente, a explicação para essa sincronia se apoia no sinal e na intensidade dos fluxos comerciais e financeiros que entram ou deixam o Brasil, que regulam a abundância ou a escassez de divisas no balanço de pagamentos. Dessa forma, uma apreciação cambial refletiria um comportamento favorável dos saldos da conta corrente derivado do crescimento das exportações líquidas (exportações menos importações) ou um aumento da entrada líquida de capitais, seja para investimentos diretos, seja em busca dos ganhos de arbitragem proporcionados pelas elevadas taxas de juros.
A aplicação desse raciocínio ao componente comercial sugeriria que os altos preços dos produtos exportados pelo país estariam inundando a economia com divisas, deprimindo o valor do dólar. No entanto, quando se busca correlacionar taxa de câmbio e saldo comercial não se consegue estabelecer uma correspondência muito nítida entre essas variáveis. Basta verificar o comportamento recente da balança comercial, pois o fato de o saldo ter entrado em trajetória de queda entre 2006 e a eclosão da crise em 2008 não somente não interrompeu a tendência a valorização do real como sequer impediu que ela se acelerasse. Essa ausência de sincronia fica ainda mais nítida nesses primeiros meses de 2009, pois as exportações ainda estão bastante contraídas e o saldo comercial não dá mostras de crescimento significativo.
Se a possível influência do índice CRB sobre o câmbio pelo canal direto da receita dos exportadores não se sustenta empiricamente, cabe ao canal financeiro realizar essa tarefa, posto que correlações empíricas tão robustas dificilmente podem ser atribuídas meramente a coincidências. Nesse caso, o índice CRB pode ser visto como algo análogo a um indicador antecedente da capacidade de pagamentos da economia brasileira, especialmente das grandes empresas do país que, como sabido, são pesadamente baseadas em exportações de commodities agrícolas ou metálicas. Com isso, o aumento dos preços das commodities nos mercados mundiais é entendido pelo sistema financeiro internacional como um aumento da capacidade de endividamento do país, influenciando diretamente o risco Brasil e o valor dos ativos denominados em reais. Resultado: as empresas brasileiras conseguem aumentar o seu endividamento em dólares enquanto a entrada de capital igualmente aumenta, seja pelo investimento direto em busca dos projetos de commodities que prometem maior rentabilidade, seja nos mercados de ações, que no Brasil são dominados por papéis associados a esses setores, seja para os mercados de títulos, que se tornam menos arriscados.
É interessante observar que a própria tendência de valorização do real, na justa medida em que vai se fazendo dominante, também leva a uma menor volatilidade do câmbio, tornando ainda mais atrativo o carry-trade. Certamente, é esse fato que está explicando a rápida apreciação que o real vem experimentando, pois mesmo a redução da taxa Selic promovida pelo Banco Central nos últimos meses não está impedindo que o menor diferencial entre os juros domésticos e internacionais, quando ajustado pelo risco-país e pela volatilidade do câmbio, ambos decrescentes, esteja ainda tão ou mais atrativo que antes.
Se é assim, não é a valorização do câmbio que está forçando a especialização da economia brasileira na produção de commodities; é a especialização em commodities que está valorizando a taxa de câmbio ao sabor dos eventos, em grande parte especulativos, que vão ditando os rumos dos mercados financeiros globais. Nesse quadro tão preocupante, não há uma fórmula mágica que as autoridades econômicas possam adotar que possibilite a correção do problema do câmbio valorizado do dia para noite. O problema é grave mas, por ter uma clara dimensão estrutural, requer políticas voltadas para o seu enfrentamento também a longo prazo. Os tantos erros de política econômica acumulados no passado, infelizmente, estão deixando mais distantes as chances de que o país consiga escapar tão cedo da armadilha cambial em que se meteu.
David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ - www.ie.ufrj.br/gic - gic@ie.ufrj.br)
O real valor do dólar
David Kupfer
27/05/2009
Nos últimos 10 anos, o Brasil vem vivendo sob um regime macroeconômico apoiado em um tripé formado por "metas de inflação", "superávit fiscal" e "câmbio flutuante". Nesse regime, o Banco Central cuida dos preços, tarefa que vem se desincumbindo com inegável sucesso por meio de um manejo extremamente conservador da política monetária, que em mais de uma ocasião implicou oportunidades perdidas de aceleração do crescimento econômico nacional.
A segunda perna do tripé, a meta de superávit primário, vem sendo igualmente gerida a ferro e fogo pela Fazenda, que se mostrou bem-sucedida em assegurar a disciplina fiscal requerida para colocar a relação dívida/PIB dentro de faixas consideradas saudáveis pelos economistas, a despeito da acumulação de crescentes passivos na esfera social. Mas nesse arranjo de gestão macroeconômica, a quem cabe a responsabilidade de cuidar da terceira perna, a taxa de câmbio? Assim como as metas de inflação ou de superávit fiscal podem ser, e foram, flexibilizadas em determinadas circunstâncias, a juízo dos responsáveis pela política econômica, nível ou volatilidade do câmbio não podem ficar totalmente à margem das preocupações dos responsáveis pela condução da economia. Ou será que, a despeito da complexidade da nossa economia, alguém acredita na tese de que o câmbio no Brasil seja de fato flutuante e não sofra nem deva sofrer qualquer tipo de intervenção da autoridade econômica?
A nova onda de rápida e intensa valorização do real frente a dólar, que já aponta para o iminente rompimento do piso de R$ 2 por dólar que se imaginava valer para taxa cambial pós-crise internacional, sugere que a trajetória da taxa de câmbio no Brasil reflete muito mais que os possíveis resultados dos diversos fluxos de divisas que atravessam o balanço de pagamentos. É fato que as notícias que chegam nesse final de maio são sugestivas de uma inflexão nas contas externas brasileiras, que voltam a exibir números positivos mais cedo do que imaginavam os mais otimistas dentre os especialistas ao final de 2008. De um lado, registre-se o desempenho da balança comercial, cujo saldo acumulado no ano supera em muito (26%) o de igual período de 2008, embora esse resultado decorra de uma brutal contração de mais de 30% no total das importações, ante uma redução de só (!) 12% das exportações. Também pode-se mencionar o superávit da conta de transações correntes em abril último que, embora pequena (US$ 146 milhões), foi o primeiro resultado positivo em 18 meses. Ou ainda, a entrada de capital de risco, que atingiu US$ 3,8 bilhões em abril, quase repetindo o valor alcançado há um ano. Entretanto, embora seja cedo para afirmar, provavelmente o comportamento experimentado pelo real nos últimos dias está refletindo o grande volume de ingressos de investimentos de portfólio em busca das oportunidades de arbitragem disponíveis no mercado de capitais brasileiro, que ocorre com indesejável frequência.
Qual deve ser o valor correto da taxa de câmbio é pergunta muito difícil de ser respondida, até porque a teoria econômica ainda está muito longe de conseguir modelar o enorme número de variáveis intervenientes na questão. O que se pode afirmar sem erro é que, do ponto de vista das atividades produtivas, a taxa de câmbio interfere diretamente sobre as variáveis-chave do desenvolvimento industrial: investimento, exportação e tecnologia.
A experiência histórica mostra que no Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento com características estruturais semelhantes às nossas, uma taxa de câmbio supervalorizada obriga a indústria a adotar estratégias de curto prazo de sobrevivência, optando por reestruturações organizacionais ou de linhas de produto que permitam respostas rápidas em termos de redução de custos que são, em geral, minimizadoras de investimentos em ativos tangíveis e, mais ainda, em intangíveis.
Se duradoura, a valorização cambial joga a estrutura produtiva em um processo de especialização no qual, dentre os bens comercializáveis, apenas os setores de alta competitividade internacional, que conseguem manter as exportações, conseguem preservar dinamismo suficiente para disparar novos planos de investimentos. Os setores mais dependentes de mercado interno tendem a perder fôlego em vista das vantagens competitivas que o dólar barato confere aos produtos importados, aumentando as incertezas quanto ao retorno econômico das atividades, reforçando a trajetória de especialização estrutural.
Nesses quadros de alta valorização cambial, um importante papel indutor de desenvolvimento econômico que pode ser exercido pelas exportações, o de gerar ou absorver oportunidades de diversificação da produção local com base no aprendizado obtido com a exploração dos mercados internacionais, vê-se muito dificultado, para não dizer interrompido, reforçando a rigidez da estrutura produtiva sobrevivente. Mas cabe ter presente que um regime macroeconômico com predominância de uma taxa de câmbio excessivamente desvalorizada também tende a impor pesados custos à expansão da atividade industrial, pela perda de dinamismo macroeconômico decorrente da redução do poder real de compra dos salários, pelo encarecimento relativo dos bens de investimento, pelas dificuldades de integração intra e inter-industrial das atividades exportadoras ou ainda pelo desestímulo trazido pela redução do acesso às tecnologias incorporadas disponíveis no mercado internacional.
Nesse momento em que mesmo os analistas mais críticos do ativismo contracíclico do governo na ampliação dos gastos visando mitigar os efeitos da crise internacional reconhecem que o cenário fiscal para os próximos anos é benigno, e que mesmo os críticos mais ferrenhos da política monetária concordam que a trajetória de redução da taxa de juros é um dado da realidade, cabendo discussão só quanto à velocidade do processo, parece legítimo insistir que o grande tema do debate econômico deva ser sobre qual a política cambial mais consistente para o desenvolvimento da economia do país. Em vista dos fartos indícios de que o valor do dólar deva ser maior do que a média histórica desses últimos 10 anos, muito além de um debate já desgastado em torno dos efeitos positivos do dólar barato para estabilização e do dólar caro para o crescimento, cabe rever o regime macroeconômico para que algum grau de manobra na gestão da taxa cambial seja recuperado pelos formuladores da política econômica.
David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ - http://www.ie.ufrj.br/gic%20-%20gic@ie.ufrj.br)
Os investidores estão apostando na valorização do euro, e isso é a última coisa que Merkel deseja.

O incômodo das commoditiesDavid Kupfer
03/03/2010
O avanço no processo de commoditização da indústria brasileira, identificado por uns como desindustrialização e, por outros, com mais precisão, como especialização regressiva, parece inquestionável. A especialização regressiva é a trajetória de mudança estrutural na qual os setores produtores em grande escala de bens homogêneos, intensivos em recursos naturais e energéticos e com menor capacidade de agregação de valor, são mais favorecidos pelas condições gerais de funcionamento da economia, encontrando maior facilidade de expansão e conseguindo crescer a taxas mais aceleradas que o restante da indústria.
Embora visível a olho nu, como atesta a grande quantidade de artigos que vem sendo publicados na imprensa buscando trazer evidências empíricas ou extrair implicações normativas desse movimento de commoditização da indústria, parece pertinente buscar suprir a lacuna de informação requerida para dimensionar a extensão desse processo, que é provocada pela natural defasagem, de cerca de dois anos, com que são divulgados os números da Pesquisa Industrial Anual (PIA) do IBGE, a estatística oficial apropriada para dar suporte abrangente às análises estruturais da evolução da indústria.
Visando suprir essa lacuna de informação, desenvolvemos no Grupo de Indústria do IE/UFRJ uma metodologia de atualização da PIA, cuja última divulgação é referente a 2007, por intermédio das séries mensais que medem variações de quantidade produzida (PIM - Pesquisa Industrial Mensal, também do IBGE) e dos preços (IPA - Índice de Preços no Atacado, divulgada pela FGV/Conjuntura Econômica) para os diversos setores industriais. A série permite que se acompanhe o desempenho da indústria até dezembro de 2009, mês correspondente a última PIM divulgada pelo IBGE. É importante ressalvar que a metodologia utilizada, embora consolidada, gera valores aproximados, que ainda não puderam ser totalmente testados em aplicações práticas, de modo a que se possa aferir a robustez empírica da calibragem utilizada.
Aceita essa ressalva, a análise dos dados mostra alguns resultados bastante interessantes. A julgar pelos números obtidos, o valor bruto da produção industrial contraiu-se em 7,4% em 2009, após uma expansão de 3,2% em 2008, ambas as taxas medidas em valores constantes de 2007. A taxa real acumulada de expansão da indústria entre 2000 e 2009 teria sido de 38,8% na mesma base de mensuração. Medidos em dólares, esses valores tornam-se muito mais elásticos - respectivamente queda de 15,3% em 2009, expansão de 11,4% em 2008 e acumulado de 103,7% entre 2000 e 2009 , o que por si só evidencia, en passant, a extensão da valorização cambial no período.
Mais interessante é a análise da evolução do peso da produção e da exportação de commodities na indústria brasileira. Cabe observar que os números estimados excluem os setores de extração e refino de petróleo da contabilização do valor da produção industrial e das exportações anuais. Em termos da composição tanto da produção quando das exportações, os dados mostram aquilo que já era esperado: os setores produtores de commodities avançaram significativamente nos últimos dez anos. Porém, cabe enfatizar as trajetórias muito distintas seguidas por cada um dos fluxos no período enfocado. Enquanto o avanço do peso das commodities no valor da produção industrial foi mais intenso na primeira metade dessa década, quando evoluiu de 35,6% em 2000 para 40,5% em 2004, e daí em diante vem dando sinais de ter arrefecido, a participação desses setores na corrente de exportação brasileira seguiu em franca expansão, indo de 47,5% em 2000 para 61,8% em 2009, sugerindo que o processo de especialização regressiva da pauta de exportações é mais intenso que o da produção industrial propriamente dita.
Uma pista para a compreensão da real natureza desse processo de mudança estrutural está no comportamento do coeficiente de exportação, um índice simples, que indica a parcela do valor da produção que é vendida ao exterior. É marcante o salto de quase sete pontos percentuais (de (24,9 para 31,6%), percorrido por esse indicador nos poucos anos que separam 2000 de 2004. Esse salto corresponde ao padrão dinâmico que movimentou a economia brasileira nessa primeira metade da atual década, pesadamente dependente da demanda externa. De modo consistente com a mudança desse polo dinâmico para o mercado interno ocorrida a partir de 2005, o indicador sofreu uma inflexão desse ano em diante, voltando a se contrair pelos três anos seguintes até atingir 29,6% em 2007. A partir daí, as condições altamente voláteis dos mercados internacionais, inicialmente com a explosão dos preços no período pré-crise de 2008 e, posteriormente, com o colapso de quantidades no período pós-crise em 2009, interromperam esse movimento de queda.
Se os números encontrados para os anos de 2008 e 2009 significam uma flutuação dos indicadores descritivos da trajetória estrutural percorrida pela indústria brasileira ou se mostram uma quebra da tendência que se desenhava no período 2005-2007 é uma questão que permanecerá em aberto enquanto perdurar a atual volatilidade nos termos de troca das exportações brasileiras. Contudo, não parece despropositado inferir que o fato de que a trajetória de especialização regressiva venha se manifestando mais claramente nas exportações do que na produção doméstica, revela a forma passiva de ajustamento com que a economia brasileira vem reagindo ao novo quadro internacional que se desenha no mundo pós-crise.
David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ. Escreve mensalmente às quartas-feiras.
E-mail: gic@ie.ufrj.br)


Otaviano Canuto

Riscos nos motores de crescimento
Valor Econômico - 24/01/2011
Enquanto o mundo rico põe sua casa pós-crise em ordem, os países em desenvolvimento, como um todo, estão se tornando o novo motor do crescimento mundial. Cada vez mais, eles são uma força que puxa as economias avançadas para adiante. Mas trocar de locomotivas nunca foi imune a riscos.
Como o meu colega Marcelo Giugale e eu discutimos em nosso recente livro "The Day After Tomorrow" (O dia depois de amanhã), há pelo menos quatro canais ao longo do qual esta mudança está ocorrendo........
Não culpem a mãe natureza
Otaviano Canuto15/04/2010
As exportações de commodities primárias continuam cruciais para a maioria dos países em desenvolvimento. Entre 2003 e 2007, levando em conta uma média simples dos países em desenvolvimento (ou seja, com cada país recebendo um peso igual), as commodities ainda foram responsáveis por mais de 60% das mercadorias exportadas, sendo que metade apresentou uma dependência superior a 70% em relação às commodities exportadas.
Portanto, as perspectivas para a maioria dos países em desenvolvimento durante a atual crise variaram de acordo com a evolução dos preços das commodities. A onda de alta de preços iniciada no segundo trimestre de 2009 chegou antes e com mais força do que muitos esperavam, mesmo levando em conta o fato de a intensidade da variação negativa que a precedeu ter sido tão acentuada que já levava a supor uma forte valorização quando a recuperação estivesse em andamento.
Da mesma forma que com outros ativos de risco, as commodities se beneficiaram da percepção de que a pior fase da recessão já havia ficado para trás, como resultado das amplas respostas do setor público ao alto nível de incertezas e riscos sistêmicos. O papel de liderança desempenhado pelos países emergentes da Ásia também motivou previsões otimistas sobre a demanda por commodities. Além disso, as fontes disponíveis para conseguir financiamento e estoques de proteção continuaram abundantes e baratas, como consequência das políticas "reflacionárias" adotadas nos países desenvolvidos.
Mas e quanto ao horizonte além do futuro imediato? Primeiramente, não se deve perder de vista as trajetórias diferentes dos preços das commodities. Tudo depende de como será o aumento de longo prazo da produtividade de cada commodity em relação ao dos setores que não são de commodities, assim como da "elasticidade-renda da demanda" e de barreiras políticas e técnicas à ampliação da capacidade de produção. Quanto mais fortes são as restrições ao investimento e ao aumento da oferta e quanto maior é a alavancagem à demanda dos mercados emergentes, mais forte vem sendo a recuperação nesses últimos 12 meses e mais luminosas são as perspectivas para o futuro próximo.
No longo prazo, há poucos motivos para prever que os preços reais das commodities tenham uma tendência para cima ou para baixo. Para os preços das commodities, é perfeitamente possível recuar ou subir de forma considerável em períodos significativos, mesmo na ausência de uma tendência ou corrente de longo prazo. Por outro lado, como atributo geral esperado para a maioria das commodities, a demanda relativa provavelmente subirá no médio prazo já que o crescimento mundial pós-crise financeira é mais dependente dos países em desenvolvimento e a demanda nesses países requer maior uso de commodities do que em outros lugares. Há fatores tanto de oferta como de demanda que poderiam sustentar o nível atual, relativamente alto, dos preços reais das commodities, embora esses fatores tenham tendência a dissipar-se a longo prazo.
Será que perspectivas de preços elevados durante algum tempo é uma bênção - ou uma maldição - para os países dependentes de commodities? A resposta é... depende, tanto de especificidades das commodities como da qualidade das políticas públicas e de governança.
Mesmo presumindo que o impacto de preços mais altos de algumas commodities nas famílias locais de baixa renda seja compensado, há muitas maneiras desses preços prejudicarem uma economia dependente de commodities.
Por exemplo: os já conhecidos efeitos da doença holandesa. O aumento da renda ligado às commodities pode levar a um excesso de demanda - e aumentos de preços - de bens e serviços não comercializáveis e, portanto, acabar levando a uma valorização cambial real. O país, então, pode acabar, no longo prazo, em uma situação pior, se os setores da economia com maior capacidade de sustentar o crescimento e a inclusão social forem afetados de forma negativa.
Além disso, os preços das commodities são voláteis e a maior dependência desses produtos pode significar mais instabilidade das receitas fiscais e/ou das taxas de câmbio, com a incerteza resultante prejudicando os investimentos. Os efeitos nocivos dessa volatilidade são maiores se as ondas de alta dos preços forem acompanhadas de excesso de captações de empréstimos domésticas ou externas.
Por último, mas não menos importante, dependendo das características da apropriação e uso da renda gerada pelo aumento no valor dos recursos naturais, o comportamento de "caçador de renda" (em vez de um comportamento de busca de maior eficiência) pode tornar-se a norma na sociedade local.
Vale fazer distinções entre commodities. Petróleo e minerais - recursos encontrados de forma concentrada, de "fontes pontuais", podem tornar-se facilmente objeto de "caçadores de renda" (rent-seeking, em inglês) e de disputas de redistribuição (incluindo conflitos armados). São mais propensos a gerar os problemas da doença holandesa e do comportamento de "caçador de renda" do que, por exemplo, commodities agrícolas, mais abertas e competitivas.
Seja qual for o caso, o alcance real da doença holandesa - volatilidade, excesso de captação de empréstimos, etc. - pode ser minimizado com políticas macroeconômicas cautelosas que moderem as pressões de demanda agregada, aliviem os efeitos da volatilidade nos orçamentos governamentais e restrinjam o excesso de captações. A criação de fundos soberanos e anticíclicos pode, além de também tornar possível a preservação do patrimônio líquido do país, à medida que recursos exauríveis forem se esgotando.
A boa governança e políticas fiscais responsáveis podem fazer muito para evitar a predominância do comportamento de "caçador de renda". Em relação à primeira, o papel e influência desempenhados pelos investidores internacionais são obviamente vitais.
Conclusão: a mãe natureza não abençoa nem amaldiçoa. O que importa são as políticas e instituições - tanto locais como internacionais.
Otaviano Canuto é vice-presidente do Banco Mundial, responsável pela rede política econômica e redução da pobreza.
A peste holandesa
Luiz Gonzaga Belluzzo
18/08/2009
O real se valoriza sobranceiro diante do dólar e de outras moedas. A moeda americana dobra os joelhos sob o peso das injeções de liquidez inoculadas pelo Federal Reserve e da prodigalidade dos déficits fiscais engendrados pelos Tesouro americano. Mas nada se compara ao desempenho do real: desaçaimados em sua incessante busca de rendimentos, entre crispações e redemoinhos, os gestores de portfólios globais, inquietos com a trajetória da moeda americana, cuidam de rearranjar suas carteiras. Encontram repouso e refrigério na apetitosa arbitragem com o coupon cambial administrado por Meirelles & Cia.
Num ritual farsesco, renova-se em sua caducidade tediosa a discussão sobre a efetividade (ou inefetividade) das intervenções do Banco Central no mercado de câmbio. A controvérsia sobre o câmbio, tão acerba quanto monótona, termina indefectivelmente com a vitória da turma da bufunfa, aqueles que se refestelam na arbitragem financeira e engordam seus cabedais sob o patrocínio das vacilações, medos e inconsistências do governo. Com essas e outras, a competitividade da indústria brasileira se debilita rapidamente, patrocinada pela estupidez de alguns em solerte aliança com a cobiça cega, descomprometida e impudente de outros.
Sergio Lamucci e Vera Saavedra Durão sublinham, em sua competente matéria de segunda-feira deste jornal Valor, a participação declinante das exportações na produção brasileira de manufaturados. Num ambiente de queda da demanda global, a valorização do real torna ainda mais grave e preocupante a decadência das exportações. Ela vai dos têxteis aos calçados, dos automóveis aos ônibus da internacionalizada Marcopolo, para finalmente culminar na degradação das vendas externas de máquinas e equipamentos da nossa indústria de bens de capital. O declínio da exportação de manufaturados, iniciado já em 2005-2006, bem antes da crise, faz parceria com a invasão das importações, prenhes de incentivos e subsídios oferecidos generosamente pelos competidores espertos. Enquanto isso, na Terra Brasilis, as burocracias judiciárias, irresponsáveis e razoavelmente desinformadas, fazem genuflexão diante dos idola teatri do livre comércio e geram desestímulos às exportações, prolatando decisões desastrosas sobre temas que não entendem.
O quadro negativo para a indústria brasileira tende a se agravar diante das brilhantes perspectivas do pré-sal, que prometem expungir definitivamente do horizonte brasileiro os episódios de crise cambial que, quase sempre, deixavam o país entregue à intempéries de graves problemas fiscais e surtos inflacionários. Parece óbvio que os mercados financeiros, restaurados sua confiança pela intervenção munificente dos Estados nacionais cuidem de antecipar a solidez do balanço de pagamento e das reservas brasileiras para os próximos anos. Sob as delícias de curto prazo do câmbio valorizado crescem as terríveis das ameaças da peste holandesa que prometem transformar a economia urbano-industrial brasileira em escombros.
A esta altura do torneio, o óbvio torna-se iniludível. Não são poucas as almas recentemente convertidas à heresia: acusam a política monetária de cumplicidade com a arbitragem financeira, ao sustentar os ainda espantosos diferencias entre a policy rate nativa e as similares globais. Mas, como é de conhecimento geral, também na seita dos economistas e quejandos habitam reputados fundamentalistas da Teologia dos Mercados. Diante das liberalidades do século, ameaçam os hereges com o mesmo ergástulo que Bento XVI recomenda para castigar os tresmalhados do rebanho que recalcitram na violação da "natureza" das coisas, tal como definida pelo discurso da Revelação.
Os chineses sofreram de forma aguda os efeitos da desaceleração global. Mas graças a estratégias eficazes, não só crescem acima da média mundial, como ainda sustentam alentados superávits comerciais, fomentados por políticas fiscais e creditícias agressivas de estímulo às exportações. Desde janeiro de 2009 o governo chinês ampliou os tax rebates para mais de 500 produtos manufaturados. O yuan praticamente não se moveu nos últimos doze meses, protegido pelas intervenções do Peoples Bank of China que não só compra agressivamente divisas como interfere duramente nas posições compradas e vendidas em moeda estrangeira dos bancos chineses.
Eles colhem altas taxas de investimento na indústria e na infraestrutura e rápida escalada no gradiente do horizonte tecnológico. No caso da China, a política de defesa do yuan e a oferta ilimitada de mão-de-obra barata se juntam para esfolar o que resta das indústrias intensivas em mão-de-obra nos concorrentes incautos e desavisados da periferia.
Já observei em outra ocasião que, na China, o aumento da participação das exportações de manufaturas foi acompanhado por um aumento correspondente na geração do valor agregado manufatureiro mundial. Isto tem uma implicação importante: o valor das exportações se elevou com a maior integração da economia ao comércio internacional e induziu o crescimento da renda interna. Neste caso, pode-se concluir que houve um "adensamento" das cadeias manufatureiras domésticas que permitiram a apropriação do aumento das exportações pelo circuito doméstico de geração de renda e de emprego.
Na América Latina, inclusive no México, a história foi outra. O México, diferentemente do Brasil e da Argentina, aumentou bastante sua participação relativa nas exportações mundiais. Mas caiu a sua parte na formação do valor agregado manufatureiro global, exprimindo a desarticulação das cadeias produtivas depois da assinatura do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o NAFTA.
As trajetórias de Brasil e Argentina mostram que a integração das economias foi mal concebida e isto determinou não só a desindustrialização relativa, mas também na perda de posição no ranking do valor agregado manufatureiro.
A teologia do saber convencional só revelará suas nefastas consequências daqui a algum tempo.
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras. E-mail: BelluzzoP@aol.com
FOLHA, 29-11-2009
YOSHIAKI NAKAN
O Regressão industrial e câmbio
Setores de baixa intensidade tecnológica têm participação exportadora maior, mas os de alta perdem terreno
ESTUDOS empíricos têm caracterizado a evolução estrutural da indústria de transformação brasileira como um processo de reespecialização regressiva ou desindustrialização precoce. Essa evolução não segue o padrão típico de transformação estrutural pelo qual passaram os países desenvolvidos ou os novos industrializados, como a Coreia, de progressiva diversificação e desenvolvimento da capacidade de inovações tecnológicas. De fato, nesses países a indústria de transformação comandou o processo de desenvolvimento, que sempre é um processo de alcançar os mais avançados, aproximando-se da fronteira tecnológica, definida pelo estado científico-global das artes. ... .... ... .... ... .
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Países asiáticos e doença holandesaA "doença" não deriva de recursos naturais abundantes e baratos, mas de salários baixos e alta dispersão salarial
O GOVERNO americano estava prestes a declarar a China país manipulador de sua taxa de câmbio, mas, como prosseguem as negociações bilaterais, o Tesouro americano decidiu adiar a decisão, provavelmente porque espera que a China ceda algo como cedeu em 2005.
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Argentina neutraliza doença holandesa com retençõesLuiz Carlos Bresser-Pereira
07/10/2008
Depois da grande crise de 2001 e 2002, ninguém poderia prever que a Argentina cresceria a taxas elevadas que vem crescendo. Nos primeiros anos, a explicação encontrada foi a de que o país estava recuperando o nível de renda anterior por meio da utilização de capacidade ociosa. Na medida, porém, em que as altas taxas persistiram, argumentou-se que a explicação estava no aumento dos preços das commodities exportadas pelo país - explicação mais razoável mas insuficiente, já que o Brasil, que igualmente se beneficiara da melhoria das relações de intercâmbio, crescia a taxas muito menores.
Na verdade, o crescimento acelerado da economia argentina decorre da política macroeconômica em curso, que neutraliza a doença holandesa. Até hoje muitos se recusam a aceitar isso - os neoliberais no exterior porque não perdoam a Argentina haver logrado uma redução de sua dívida externa; um grande número de argentinos, porque os maus resultados econômicos dos últimos 60 anos os tornaram pessimistas. E a persistência de inflação em torno de 20% ao ano os anima. Mas o que a Argentina vem fazendo é muito semelhante ao que fazem as economias asiáticas novo-desenvolvimentistas que crescem aceleradamente no mundo: mantém o orçamento público equilibrado, a taxa média de juros em nível moderado e a taxa de câmbio, competitiva.
Deste tripé macroeconômico, a política mais difícil é a de manter a taxa de câmbio em um nível de verdadeiro equilíbrio, ou seja, em um nível que torne competitivas as indústrias locais que utilizem a tecnologia mais avançada existente no mundo. Manter a taxa de câmbio nesse nível é difícil porque nos países em desenvolvimento existe uma tendência à sobreapreciação da taxa de câmbio que decorre do populismo cambial interno, de duas recomendações vindas do Norte (que o país cresça com poupança externa e que combata a inflação usando o câmbio) e da doença holandesa. Apreciar a taxa de câmbio é prática populista clássica: com a depreciação, os preços dos bens comercializáveis caem, os salários reais aumentam e durante alguns anos o país vive um auge populista. É uma pratica que, de forma paradoxal, o FMI passou a apoiar a partir do início dos anos 90, ao adotar a política de crescimento com poupança externa. Além disso, como não interessa aos países ricos que países de renda média sejam competitivos internacionalmente, desconsideram a doença holandesa, e seus economistas neoliberais ensinam que "no longo prazo é impossível administrar a taxa de câmbio", não obstante essa tese venha sendo desmentida por quase todos os países que lograram crescer rapidamente.
A terceira causa da sobreapreciação da taxa de câmbio, a doença holandesa, merece uma explicação um pouco mais completa. Existe doença holandesa em um país quando recursos naturais abundantes e baratos geram "rendas ricardianas" que tornam a "taxa de câmbio de equilíbrio corrente" (a taxa que equilibra intertemporalmente a conta corrente) mais apreciada do que "taxa de câmbio de equilíbrio industrial" (a taxa que viabiliza indústrias utilizando tecnologia no estado-da-arte mundial). As rendas ricardianas decorrem dos diferenciais de produtividade dos recursos naturais que, tornando os produtos beneficiados por essas rendas mais baratos, são compatíveis economicamente com taxa de câmbio mais apreciada. A gravidade da doença holandesa varia de acordo com a diferença relativa entre essas duas taxas. Em um país produtor de petróleo no qual os custos de exploração ainda são baixos, essa doença pode ser gravíssima, impedindo qualquer outra indústria; já em um país como a Argentina, no qual a origem da doença é a fertilidade da terra, a gravidade da doença é menor e indústrias muito competitivas podem continuar a vender no mercado interno se contarem com modesta proteção tarifária (uma forma incompleta de neutralizar a doença holandesa). Além de variar de commodity para commodity exportada, a gravidade da doença varia também em função das mudanças do preço internacional da commodity: quando ele aumenta, ela se agrava; quando diminui, diminui sua gravidade e pode mesmo desaparecer.
A forma clássica de neutralizar a doença holandesa, ou seja, de transformar as rendas ricardianas em uma bênção, é o governo estabelecer um imposto ou uma retenção sobre as vendas e exportações do produto proporcional à gravidade da apreciação que causa. Uma retenção, portanto, diferente de produto para produto, e é variável de acordo com o preço internacional do produto. É exatamente isso que vem sendo feito com competência na Argentina. Se esse sistema for completado com a criação de um fundo de investimentos no exterior para impedir que os resultados do imposto sejam internalizados, melhor, porque deixará de haver pressão do lado da demanda sobre a taxa de câmbio. Mas mesmo que isto não ocorra (como é o caso da Argentina), a retenção garantirá, do lado da oferta, que o câmbio não se aprecie.
Este é talvez o mecanismo que os leigos (e muitos economistas) têm mais dificuldade de compreender. Suponhamos que haja apenas uma commodity causando doença holandesa, que a taxa de câmbio de equilíbrio industrial em um país seja de três unidades e a de equilíbrio corrente de duas unidades de moeda local (pesos, no caso argentino) por dólar. O efeito da retenção é deslocar a curva de oferta da commodity para cima. Uma retenção de 33% fará essa "mágica" que nada tem de mágica. Graças a ela, a exportação da commodity, que antes da retenção era viável para o produtor a uma taxa de duas unidades de moeda local, agora só é viável economicamente à taxa de equilíbrio industrial de três unidades por dólar. Assim, o produtor deixa de oferecer seu produto à taxa de câmbio anterior de duas unidades por dólar, que devido à retenção se tornou inviável para ele. Em conseqüência, a taxa de câmbio que, sem a retenção, seria de duas unidades por dólar (já que ela tende a ser definida pelo custo marginal mais baixo), permanece em três; a doença holandesa está neutralizada, já que não sobreaprecia a taxa de câmbio.
Nesse sistema, embora aparentemente seja o produtor de soja, ou de trigo, ou de carne que "paga" o imposto, na verdade quem o paga são os consumidores ou os cidadãos argentinos, porque o preço de todas as commodities fica mais caro. Mas eles o recuperam por meio da retenção: recuperam-no no curto prazo porque os recursos da retenção são receita de seu próprio Estado; mais do que, o recuperam no médio prazo, porque a indústria do país prospera, o país se desenvolve, o emprego, os salários e os lucros aumentam. Não é o produtor que paga, porque se todas as retenções fossem retiradas, a taxa de câmbio baixaria para duas unidades por dólar, e ele estaria pagando da mesma forma os mesmos 33% de retenção sob a forma de câmbio mais apreciado, ao mesmo tempo em que a economia do país, vítima da doença holandesa, deixaria de crescer, ou voltaria a crescer lentamente, além de ficar sujeita a crises crônicas de balanço de pagamentos.
Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas. E-mail: lcbresser@uol.com.br http://www.bresserpereira.org.br/

Ainda sobre o debate da desindustrialização no país
Guilherme Lichand e Paulo Gala
26/02/2010
A controvérsia sobre a desindustrialização no país continua, especialmente nos últimos meses, em que se observou nova rodada de apreciação da moeda brasileira e deterioração acelerada de nossas contas externas. Várias são as perspectivas possíveis para se observar e se medir esse fenômeno. Este breve artigo procura contribuir para o debate apresentando evidências alternativas da perda de dinamismo da indústria brasileira nos anos 80 e 90 a partir de dados de produtividade da manufatura do Groningen Growth and Development Center (GGDC) - vinculado à universidade de Groningen, na Holanda -, que compila uma série de indicadores de desenvolvimento comparado.
Disponíveis a partir de 1950 para dez países asiáticos, nove latino-americanos e nove europeus, além dos EUA, os dados para Ásia e América Latina são baseados em Marcel P. Timmer and Gaaitzen J. de Vries (2007), "A Cross-Country Database For Sectoral Employment And Productivity In Asia And Latin America, 1950-2005", GGDC Research memorandum GD-98, Groningen Growth and Development Centre, August 2007; para Europa e EUA, os dados são baseados numa atualização de Bart van Ark (1996), "Sectoral Growth Accounting and Structural Change in Post-War Europe", em B. van Ark and N.F.R. Crafts, eds., "Quantitative Aspects of Post-War European Economic Growth", CEPR/Cambridge University Press, pp. 84-164.
Segundo os dados do GGDC, o Brasil, antes líder indiscutível de produtividade da manufatura entre os emergentes - inclusive tinha consolidado essa posição entre 70 e 80 - passa a perder espaço a partir de 1980, sendo ultrapassado pela Coreia do Sul nos anos 1990, e pelo Chile em 2000. Mais do que isso, a dinâmica da variável é de estagnação nos últimos 30 anos - situação idêntica a de grande parte dos países latino-americanos - enquanto novos emergentes como Malásia e Tailândia vêm apresentando ganho de dinamismo consistente ao longo do tempo, sobretudo em termos percentuais, conforme ilustra o gráfico.
Algumas observações são úteis. Em primeiro lugar, o ideal para uma conta mais exata seria utilizar medidas de produtividade total dos fatores (TFP), em vez da razão entre valor agregado e trabalho no setor, para auferir a produtividade da indústria. Dados de Muendler* (2004) para o período 1986-1998 confirmam, no entanto, comportamento extremamente similar da TFP calculada a partir de dados da PIA para 27 setores da manufatura. Em segundo lugar, o resultado poderia dever-se a uma mudança de composição dentro da manufatura, no sentido de setores menos capital-intensivos terem ganhado participação, de modo que a produtividade calculada diminuiria sem contudo refletir maior defasagem tecnológica.
Entretanto, dados do Banco Sidra do IBGE para produção a partir de 1991 não parecem indicar um gradiente claro de mudanças de intensidade média de capital na indústria, a não ser por um ganho de participação da indústria extrativa, que passa de aproximadamente 26% em 1991 a 34% em 2009. Ainda que essa indústria seja potencialmente menos capital-intensiva - e ainda que o ideal fosse replicar esses mesmos cálculos para os demais países em desenvolvimento -, a dimensão do aumento do gap de produtividade em relação a EUA e Coreia do Sul é tão dramática que não é razoável que essa mudança de composição explique nem mesmo a maior parte da dinâmica.
Suponha que em uma economia, num dado período, a participação da indústria no PIB se mantenha constante ou mesmo aumente, mas por outro lado a produtividade do setor em relação aos principais mercados com quem realiza trocas apresente crescente defasagem. Para os economistas que definem desenvolvimento econômico como aquisição de tecnologias, 'upgrade' estrutural e aumento de produtividade, segue que um movimento desse tipo seria prejudicial ao desenvolvimento, pois o processo deixaria o país mais distante da fronteira tecnológica. Ou seja, tratar de desindustrialização apenas como uma medida simples de participação da indústria no PIB pode ocultar dinâmicas perversas e ainda mais problemáticas em curso no país. Essa perspectiva pode não dar conta do elemento mais relevante para compreender os impactos da estrutura produtiva no processo de desenvolvimento econômico, a saber, o aumento da produtividade e a aquisição de novas tecnologias. O crescente gap da produtividade da manufatura em relação às principais economias com quem o Brasil realiza trocas deveria também ser fonte de preocupação dos economistas que se debruçam sobre o tema.
* Muendler, Marc Andreas, 2004. "Trade, Technology, and Productivity: A Study of Brazilian Manufacturers, 1986-1998," CESifo Working Paper Series Nº. 1148, CESifo Group Munich.
Guilherme Lichand é bacharel em Economia pela FGV-EESP e mestrando em Economia na PUC-Rio
Paulo Gala é professor da FGV-EESP



Crescimento puxado por exportaçõesDani Rodrik25/09/2008
Durante cinco décadas, os países em desenvolvimento que conseguiram desenvolver setores exportadores competitivos foram premiados com surpreendentes taxas de crescimento: Taiwan e Coréia do Sul na década de 1960, países do Sudeste Asiático como Malásia, Tailândia e Cingapura na década de 1970, China nos anos 1980 e talvez a Índia na década de 1990.
Em todos esses casos, e em alguns outros - principalmente na Ásia -, as reformas domésticas certamente produziram crescimento independentemente do comércio internacional. Mas é difícil ver como o crescimento resultante poderia ter sido tão alto - atingindo um nível anual sem precedentes de 10% ou mais, em termos per capita - sem uma economia mundial capaz de absorver as exportações desses países.
Muitos países estão tentando emular esse crescimento, mas raramente com igual êxito, porque as precondições domésticas freqüentemente permanecem não-cumpridas. Quando uma economia se abre para os mercados mundiais sem adotar políticas pró-ativas para assegurar competência em algum moderno setor industrial ou de serviços, provavelmente continuará sendo um exportador pobre de recursos naturais e produtos intensivo em mão-de-obra, como artigos do vestuário.
Apesar disso, os países em desenvolvimento vêm competindo desenfreadamente para estabelecer zonas exportadoras e subsidiar operações montadoras de companhias multinacionais. A lição é clara: crescimento puxado por exportações é o caminho a seguir.
Mas por quanto tempo? Embora seja sempre arriscado tentar divisar o futuro econômico, há sinais de que estamos no auge de uma transição para um novo regime no qual as regras do jogo não serão, sequer longinquamente, tão simpática a estratégias privilegiadoras de exportações.
A ameaça mais imediata é o desaquecimento das economias avançadas. A Europa e os EUA estão entrando em recessão, estão crescendo os temores de que o colapso financeiro decorrente do colapso dos empréstimos garantidos por hipotecas habitacionais não se dissipou. Tudo isso está acontecendo num momento em que pressões inflacionárias dificultam os usuais corretivos monetário e fiscal. O Banco Central Europeu (BCE), fortemente centrado em estabilidade de preços, vem elevando os juros, e o Fed poderá em breve fazer o mesmo. De modo que as economias avançadas sofrerão por algum tempo, com evidentes implicações para a demanda por exportações de países emergentes.
Além disso, trata-se quase certamente da reversão de desequilíbrios mundiais nas contas correntes. Os mercados emergentes e países em desenvolvimento registraram um superávit de US$ 631 bilhões em 2007, repartido aproximadamente ao meio entre países asiáticos e países exportadores de petróleo. Isso equivale a 4,2% de seu PIB coletivo. Individualmente, os EUA incorreram num déficit de US$ 739 bilhões em conta corrente (5,3% de seu PIB). Esse padrão de desequilíbrios nas contas correntes não é sustentável, seja econômica ou politicamente, especialmente em um ambiente recessivo.
Politicamente, o clima é evidente. Nada contribui tão intensamente para inflamar o sentimento protecionista quanto grandes déficits comerciais. Segundo pesquisa da NBC/Wall Street Journal realizada em dezembro de 2007, quase 60% dos americanos acreditam que a globalização é algo ruim porque sujeitou empresas e trabalhadores americanos a competição desleal.
Se a globalização adquiriu uma reputação tão péssima nos EUA, o déficit externo merece boa parte da culpa. A política comercial americana tem se mostrado excepcionalmente resistente a pressões protecionistas em anos recentes. Mas, independentemente de quem conquiste a Presidência dos EUA, o mundo deveria esperar maior resistência a importações provenientes da China e de outros países onde as empresas operam a baixo custo, bem como terceirização de serviços para lugares como a Índia.
À medida que os EUA e outras economias avançadas tornarem-se menos receptivas a exportações de países em desenvolvimento, é improvável que mercados emergentes em rápido crescimento, por mais que ajudem, venham a absorver o diferencial, e assim providenciem amplo combustível para um crescimento puxado por exportações. As tarifas de importação tendem a ser mais altas nos países em desenvolvimento, o que dificulta o acesso a eles. Além disso, os países em desenvolvimento competem em produtos similares - bens de consumo caracterizados por diversificados níveis de sofisticação -, de modo que a política de expansão do comércio Sul-Sul parece ainda pior do que a política de comércio Norte-Sul. Ações anti-dumping contra importações da China, Vietnã e outros exportadores asiáticos já são comuns nos países em desenvolvimento.
Assim, exportar será uma atividade ainda difícil. Países como a China, com grandes superávits, terão de depender muito mais da demanda interna para alimentar suas economias. Isso não é de todo mau, porque a China pode sem dúvida beneficiar-se de maior investimento estatal em esferas sociais - como saúde e educação.
Mas o impacto envolve mais do que os países superavitários. Se exportadores do Brasil, Turquia, África do Sul e México - economias deficitárias, todas elas - já estavam em dificuldades para competir com a China em outros mercados quando estes eram bastante abertos e estavam em rápida expansão, imagine seu desempenho sob condições menos favoráveis.
O crescimento quase certamente será negativo, mesmo se a demanda interna compensar plenamente o declínio da demanda externa. A razão é microeconômica, e não macro: há um limite para o volume de aço ou de componentes automobilísticos no mercado interno, e a produtividade da mão-de-obra nos setores de serviços, não iguala o das atividades voltadas para exportação. Por essa razão, o encolhimento dos mercados exportadores retardará mudanças estruturais estimuladoras de crescimento no plano doméstico.
Nada disso implica um desastre para os países em desenvolvimento. Um sucesso no longo prazo continua na dependência do que acontecer mais interna do que externamente. O que são no momento notícias moderadamente más passarão a ser notícias horríveis somente se a intranqüilidade econômica nos países avançados - especialmente nos EUA - metamorfosearem-se em xenofobia e protecionismo generalizado; se grandes mercados emergentes como China, Índia e Brasil não se derem conta de que tornaram-se importantes demais para pegar carona nas condições dadas pela governança econômica mundial; e se, em conseqüência disso, outros reagirem excessivamente voltando suas costas à economia mundial e praticando políticas de auto-suficiência isolacionista. Se esses passos em falso não se concretizarem, podemos esperar um progresso mais acidentado para a economia mundial, mas não uma calamidade.
Dani Rodrik é professor de economia política na Escola de Governo John F. Kennedy, na Universidade Harvard, foi o primeiro agraciado com o prêmio Albert O. Hirschman, concedido pelo Social Science Research Council. © Project Syndicate/Europe´s World, 2008. http://www.project-syndicate.org/

Alemanha em apuros no longo prazo
Por Wolfgang Münchau
12/06/2009
Sua única estratégia, se merece esse nome, é torcer por uma miraculosa salvação pelo consumidor americano
Permitam-me tentar, imprudentemente, talvez, mapear um cenário de como a crise econômica mundial poderá evoluir na Europa. Mesmo se assumirmos uma recuperação em outras regiões do mundo, a economia europeia poderá ficar empacada, com baixo crescimento, durante algum tempo. Para compreender por que, o melhor, possivelmente, é examinar balanços setoriais de famílias, empresas e do setor público.
A conta corrente de um país pode ser expressa como a diferença entre a poupança e o investimento nacionais. Das dez maiores economias mundiais, os EUA, o Reino Unido e a Espanha eram os países com os maiores déficits em conta corrente antes da crise. As famílias americanas vem passando de uma taxa de poupança negativa, antes da crise, para, agora, uma taxa positiva de 4% da renda disponível. O setor empresarial americano tinha uma grande taxa de poupança negativa, mas ela quase desapareceu. Até agora, o aumento da poupança líquida do setor privado americano foi compensado pelo crescimento da tomada de empréstimos pelo governo americano.
Estou partindo de três premissas: a primeira é que o retorno a uma taxa de poupança domiciliar americana positiva é permanente - mesmo em um cenário de forte recuperação econômica. As famílias americanas levarão muito tempo para restaurar seus balanços patrimoniais, depois do desastre nos mercados habitacional e creditício. Em segundo lugar, também acredito que as companhias americanas não retornem a seu elevado nível de endividamento que prevalecia antes da crise. Terceiro, creio que o governo dos EUA reduzirá seu déficit após 2010. A recente alta do rendimento dos títulos de longo prazo deveria servir como lembrete de que os déficits não podem continuar a crescer indefinidamente.
Considerando os três fatores conjuntamente, resulta que os EUA passariam de um balanço em conta corrente fortemente negativo para uma condição de equilíbrio, possivelmente, até mesmo um pequeno superávit, por um breve período. Acredito na ocorrência de mudanças similares no Reino Unido e na Espanha, em diferentes ordens de grandeza.
Entre os países com grandes superávits em conta corrente, os três maiores são China, Japão e Alemanha. Neste artigo, estou focando minha atenção na Alemanha. As famílias alemãs manterão sua elevada taxa de poupança. O governo alemão ampliou seu déficit durante a crise, mas está agora buscando uma estratégia para uma solução fiscal rápida. O Bundestag recentemente aprovou uma cláusula constitucional exigindo equilíbrio orçamentário, o que exige cortes quase imediatos no déficit. O Japão provavelmente manterá seu déficit fiscal maior por mais tempo, mas se considerarmos Alemanha, China e Japão reunidos, não veremos expansão fiscal suficiente e sustentada para compensar mudanças setoriais em outros países.
A somatória de superávits e déficits em conta corrente em nível mundial é nula. Assim, se todo mundo estiver poupando mais, quem estará "despoupando"? Terá de ser o setor empresarial nos países com grandes exportações líquidas. Portanto, se os EUA, o Reino Unido e a Espanha estão caminhando para uma conta corrente mais equilibrada, o mesmo acontecerá com os países superavitários.
O balanço em conta corrente pode também ser expresso como a soma da balança comercial com o lucro líquido sobre ativos no exterior mais as transferências financeiras unilaterais. Em vários países, inclusive nos EUA e na Alemanha, a diferença entre exportações e importações serve como bom indicador aproximado da conta corrente. Uma queda no déficit comercial americano, britânico e espanhol implica uma queda no superávit comercial combinado de outros países. E como algumas das mudanças nos EUA e no Reino Unido serão, provavelmente, estruturais, isso terá efeitos de longo prazo sobre outros países. Em especial, significa que o modelo exportador do qual dependem a Alemanha, a China e o Japão poderão sofrer uma parada cardíaca.
E o que dizer sobre o argumento segundo o qual grande parte das exportações alemãs destinam-se ao restante da zona do euro? Isso é verdade, mas existem desequilíbrios também no interior da zona do euro. A Espanha está registrando um déficit em conta corrente próximo de 10% do PIB. À medida que esse déficit estreitar, o mesmo ocorrerá com o igualmente insustentável superávit alemão dentro da zona do euro.
Através de que mecanismo se dará esse colapso do setor exportador? Meu palpite é que na Europa isso acontecerá através de um aumento violento na taxa de câmbio do euro frente ao dólar americano, e, possivelmente, em relação à libra e outras moedas de câmbio flutuante.
Uma desvalorização cambial ajudaria enormemente os EUA e outros países a reduzir seus déficits em conta corrente, mas prejudicaria a recuperação econômica em países com grandes superávits comerciais e câmbio flutuante. Os comentários de Angela Merkel na semana passada, que criticou o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) e outros bancos centrais por praticar políticas inflacionárias, aguçou as percepções de investidor sobre divergências transatlânticas de política econômica e desacoplamento. Muitos investidores estão agora começando a apostar em uma forte valorização do euro - a última coisa que Merkel deseja.
Tanto a Alemanha como o Japão estão politicamente equipados para enfrentar um choque cambial. A China poderá continuar a administrar seu câmbio, mas é muito menos provável que os europeus venham a intervir nos mercados cambiais. Por ora, os governos dos países exportadores típicos estão se apegando a seu modelo econômico baseado em exportações, o modelo que melhor conhecem. Sua única estratégia, se merece esse nome, é torcer por uma miraculosa salvação pelo consumidor americano - que desta vez não irá acontecer.
Caso minhas previsões se comprovem, a Alemanha ficará em sérios apuros por bastante tempo, com uma enorme e ainda não resolvida crise bancária, um câmbio exageradamente elevado e exportações líquidas menores e comandada por políticos que entram em pânico diante de inflação doméstica. Isso não vai acabar bem.
Wolfgang Münchau é colunista do "Financial Times".
Debater mais e publicamente BC e Tesouro evita dogmas.

Relações intrincadas e ignoradas
Por José Roberto Afonso e Geraldo Biasoto Junior
12/06/2009
É preocupante que resultados do BC, depositados no caixa do Tesouro, se transformem em superávit financeiro
As relações entre Banco Central (BC) e Tesouro jogam papel-chave para o desempenho das finanças públicas e privadas. Essa importância cresce em tempos de crises sistêmicas. Mudanças na casa das centenas de bilhões de reais foram realizadas nos últimos meses no Brasil, mas informadas burocraticamente em relatos oficiais, passaram despercebidas. Destacamos alguns desses números para mostrar como são íntimas e intrincadas as relações entre política monetária e fiscal e que não devem ser ignoradas no debate público.
- R$ 185,3 bilhões foi quanto o BC transferiu ao Tesouro em março por conta de seu resultado positivo no segundo semestre de 2008. Refletiu o lucro com a desvalorização cambial - inclusive, R$ 10 bilhões que ganhou na ponta oposta dos derivativos cambiais que causaram graves danos a muitas companhias. A lei de responsabilidade fiscal determina que o resultado semestral do BC: se positivo, seja transferido para o Tesouro; se negativo, coberto por este. A lei 11.803/08 confirmou a vinculação desse lucro ao pagamento da dívida, "prioritariamente a existente junto ao BC".
- R$ 359,2 bilhões era quanto o Tesouro tinha na conta única depositada no BC (30/04/09). Os gestores da dívida advogam por um colchão de liquidez. Mas o exagero é evidente: esse de 12,3% do PIB, como o de 12,8% ao fim de março, é o maior dos últimos 100 meses (a média foi de 8% do PIB). Metade desse caixa está associado àquele resultado do Banco Central, ainda não reportado ao Orçamento Geral da União (2009). Se permanecer no caixa do Tesouro até o final do ano se transforma em superávit de fácil gasto. O real, no entanto, voltou a se valorizar e provocará prejuízo no BC neste semestre, logo, será difícil explicar como o Tesouro emitiria novos títulos de dívida para o BC sem ter dele resgatado papéis com o lucro anterior, como determina a legislação.
- R$ 474,2 bilhões era o tamanho da dívida mobiliária na carteira do BC (30/04). Por princípio, isso não afeta a dívida porque é governo devendo para governo. Tal carteira, porém, cresceu nos últimos tempos (equivale a 38% da dívida mobiliária do Tesouro, contra 27% dois anos atrás), ampliada pela cobertura dos antigos déficits com a valorização cambial. Uma hipótese para não se resgatar os títulos dessa carteira é que o BC precisa deles para contratar "operações compromissadas" com o mercado - nem toda carteira do BC, na prática, estaria com ele.
- R$ 396,2 bilhões foi o total das operações compromissadas do Banco Central (30/04), correspondendo a 84% da sua carteira de títulos - contra apenas 8% em dezembro de 2005. Nos últimos oito meses, aumentou em R$ 87,6 bilhões os financiamentos que o BC tomou no mercado aberto, dos quais 68% explicado por operações inferiores a duas semanas. Pelo lado fiscal, as operações compromissadas constituem uma forma de dívida pública, inclusive o BC as contabiliza como dívida mobiliária em mercado. As duas somam 56% do PIB ao fim de abril, um incremento de 3,1 pontos do produto só neste ano. Pelo lado financeiro, representa mais um traço da dependência do mercado financeiro em relação ao Estado. A inflação alta acabou, mas a "zeragem automática" não: ao fim de cada dia, os bancos fecham posições com o BC, aplicando as "sobras" em títulos públicos, com risco zero e juros altos. Enquanto tais operações continuam em 13,5% do PIB tem-se uma indicação do tamanho da aversão ao risco dos bancos e de sua preferência pela liquidez.
- R$ 99,8 bilhões foi a injeção de liquidez que o BC promoveu via redução de compulsórios para que o mercado financeiro pudesse enfrentar a crise internacional. Sendo que R$ 82,8 bilhões era quanto o mesmo BC tomava de recursos do mercado por meio daquelas operações compromissadas ao final de abril. Contraditoriamente, o próprio Banco Central esteriliza, na outra ponta, a expansão da liquidez por ele efetuada.
Exaltamos um sistema bancário que passa imune à crise global, mas empresta pouco e com juros abusivos e não consegue dispor de um mercado interbancário capaz de prover fundos privados que reduzissem as pressões sobre o BC para zerar enormes posições todo final de dia. Isso contamina a gestão da dívida pública e, em decorrência, a credibilidade da própria política fiscal. Enquanto a política monetária segue "empoçando" a liquidez, a administração da dívida do Tesouro acaba sendo, indiretamente, repassada pelo Ministério da Fazenda ao BC.
A magnitude das operações compromissadas no conjunto da dívida mobiliária federal demonstra que o país não tem uma política de administração dos passivos estatais e de construção de estruturas institucionalmente sólidas para a gestão dos diversos componentes do endividamento público. Ao contrário, a meta de redução da dívida líquida sobre o PIB parece ter obnubilado os condutores da política econômica de buscarem a reconstrução dos padrões de financiamento do Estado brasileiro. Vale ressaltar que a expansão das operações compromissadas é relativamente normal em períodos de crise, mas sua magnitude revela um descontrole da dívida e falta de harmonia entre políticas e instituições.
Por fim, mas não menos importante, é fundamental apontar os riscos que as bilionárias relações entre Tesouro e BC podem colocar para a credibilidade da política fiscal. É preocupante que resultados do BC, depositados no caixa do Tesouro, se transformem em superávit financeiro e, daí, em nova fonte de recursos fiscais, ou seja, uma forma mais sofisticada de se emitir moeda para custear o gasto público.
Debater mais e publicamente estas políticas e instituições seria um bom passo para não ficar preso ao dogma do Banco Central independente, quando nem perguntamos de quem, quanto menos se o Tesouro também não precisaria ser independente.
José Roberto Afonso é economista do BNDES, doutorando no IE/Unicamp
Geraldo Biasoto Junior é professor do IE/Unicamp e diretor executivo da Fundap.


A recuperação da crise e as divergências entre os economistasYoshiaki Nakano
30/06/2009
Há concordância de que existem sinais de que o ritmo de queda nas economias desenvolvidas está reduzindo. Alguns analistas já se apressam em afirmar que já estamos chegando ao "fundo do poço" e que no final deste ano aquelas economias vão iniciar a recuperação cíclica. Outros analistas mais críticos afirmam que não há nenhuma indicação de que o "pior já passou", ou de que recuperação virá, ou de que a recuperação se iniciará ainda neste ano. Em relação aos emergentes, não dá para fugir do fato de que a China e a Índia estão conseguindo manter o crescimento forte em 2009, ainda que num ritmo bem menor do que dos anos precedentes, e de que o demais vão sofrer contração nas suas economias em 2009. Da mesma forma, alguns analistas acreditam que já em 2010 estas economias voltarão a crescer, enquanto outros pintam um quadro mais difícil em que a recuperação não virá sem mudanças estruturais e reformas.
É natural que as opiniões dos economistas sejam conflitantes, pois existem divergentes visões de mundo e diferentes percepções sobre a natureza da crise e, consequentemente, da saída da crise. Existem também interesses divergentes e diferentes capacidades de fugir da ditadura das velhas ideias às quais se referia Keynes, ao revolucionar a macroeconomia na década de 30.
É fundamental entender o que está por trás das divergências para podermos interpretar corretamente as previsões sobre a recuperação da crise. Vamos entender estas divergências colocando foco numa questão central, que é se as medidas já tomadas e anunciadas serão suficientes para que as economias voltem a se recuperar em 2010, ainda que timidamente, e retomem em algum momento a trajetória de crescimento.
De uma forma bastante esquemática, para termos referência, podemos agrupar os economistas em dois grupos. De um lado, aqueles que acreditam, em maior ou menor grau, que a teoria econômica convencional, a teoria neoclássica, descreve corretamente as leis de funcionamento dos mercados. Como nos mercados interagem agentes racionais, os textos com a orientação da teoria neoclássica estabelecem como leis que os mercados tendem a se auto-equilibrar e se auto-ajustar, autorregulam-se e são eficientes, isto é, os preços determinados pelos mercados são corretos e refletem os fundamentos. Assim, desequilíbrios e crises seriam fenômenos transitórios causados fundamentalmente por fatores exógenos, ou seja, por interferência de elementos externos, principalmente as ações do governo ou outros choques, causados sempre por fatores exógenos.
De outro lado estão os economistas que rejeitam a teoria neoclássica em maior ou menor grau. Este grupo entende que, na realidade dos fatos, os mercados são instituições criadas e desenvolvidas pela sociedade humana, e nem sempre se comportam de forma racional, pois são antes seres morais, agem emocionalmente, cometem erros e têm interesses conflitantes. Assim, os mercados, como qualquer outra instituição humana, têm falhas. Eles nem sempre se equilibram ou se autorregulam, portanto a qualidade da regulação pelo governo é fundamental para o seu bom funcionamento, que também pode falhar. Os mercados podem gerar "bolhas" de preços descoladas dos fundamentos, particularmente no mercado financeiro, onde os preços dos ativos não têm referência clara dos fundamentos e dependem de fatores como liquidez e crédito. Nestes mercados podemos ter comportamentos de manada, manias e pânicos. Assim, as crises são inerentes ao sistema de mercado e inevitáveis.
Se você for economista do primeiro grupo, esta crise financeira foi causada por um choque exógeno, houve erro na política monetária de Alan Greenspan [ex-presidente do Fed], de juros excessivamente baixos, e é um fenômeno cíclico e passageiro. Como os mercados tendem a se auto-equilibrar e se autorregular, a recuperação acontecerá em breve e não será necessária uma maior regulação, ou reformas estruturais no sistema financeiro, ao contrário. Para os menos fundamentalistas, a ação do governo foi necessária e já dá sinais de seus efeitos, assim a recuperação e volta à normalidade deverão ocorrer no final deste ano.
Se você for do segundo grupo, esta crise financeira é fenômeno endogenamente gerado pelo próprio funcionamento dos mercados. A desregulação e introdução de inovações financeiras permitiram o desenvolvimento de um sistema bancário paralelo que promoveu uma expansão excessiva de crédito e liquidez, bolhas especulativas e, por fim, a crise que causou o colapso do crédito, preferência pela liquidez, colapso nos preços dos ativos, grandes prejuízos e perdas patrimoniais. A crise num segmento pode contaminar outros, provocando prejuízos e criando diversos circuitos de realimentação e afetando todo o sistema financeiro. Portanto, a crise é sistêmica e estrutural. A gigantesca injeção de liquidez pelos bancos centrais foi necessária para evitar o colapso de todo o sistema bancário e paralisia do sistema econômico, mas não põe de pé o sistema financeiro, nem mesmo com taxa de juros zero e oferta infinita de crédito do banco central. O sistema financeiro precisa ser reconstruído com nova regulação para a economia real se recuperar. Como a política monetária torna-se ineficaz para reestimular a economia, só a política fiscal ativa pode evitar maior queda na demanda agregada. Entretanto, as políticas monetária e fiscal são insuficientes pois, sem a reconstrução do sistema financeiro, a verdadeira recuperação não ocorre.
Nesta última visão, não há sinais de recuperação nas economias desenvolvidas e a crise financeira pode ter novos desdobramentos, pois o próprio remédio, a injeção de liquidez massiva pelos bancos centrais, não é propriamente terapêutico - só evitou o pior, e pode causar novas bolhas e crises se o sistema financeiro não for reconstruído com novas regras rapidamente. A recuperação das economias emergentes depende da capacidade de antever as consequências da crise e fazer reformas e ajustes estruturais para se ajustar ao novo quadro pós-crise. Certamente, um quadro global em que os fluxos de capitais serão menores, as exportações já sofreram forte queda e as importações alimentadas pelo consumismo e crédito dos americanos não serão fonte de crescimento dos emergentes via aumento das exportações. Será preciso tanto aumentar a poupança doméstica, como gerar dinamismo do mercado interno.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.


Recriminações Tardias
Luiz Gonzaga Belluzzo
21/07/2009
Em um de seus posts no site do Financial Times, o economista Willem Buiter apontou as armas da crítica na direção das autoridades encarregadas de supervisionar e regulamentar os sistemas financeiros nos últimos 30 anos. Buiter detona o processo de criação e operação de um sistema financeiro "intrinsecamente disfuncional, ineficiente, injusto e regressivo, vulnerável a episódios de colapso", um exemplo de "capitalismo de compadres", sem paralelo na história econômica do Ocidente. "É uma questão interessante, para a qual não tenho resposta, saber se os que presidiram e contribuíram para a criação e operação [desse sistema] eram ignorantes, cognitivamente e culturalmente capturados ou, talvez, capturados de forma mais direta e convencional pelos interesses financeiros".
Buiter lista as personalidades envolvidas na administração da economia americana e seu desempenho na avaliação dos riscos decorrentes da desregulamentação. Ao longo dos 20 anos em que presidiu o Federal Reserve, Alan Greenspan foi incapaz de enxergar um palmo adiante do nariz; o mesmo pode ser dito de Ben Bernanke, membro do Board of Governors do Federal Reserve System de 2002 a 2005, chairman do President's Council of Economic Advisers de junho de 2005 a janeiro de 2006 e chairman do Fed desde fevereiro de 2006. Hank Paulson, esse não percebeu qualquer ameaça de crise financeira, quer no período em que trabalhou na Goldman Sachs (1974-2006), quer durante os anos de sua função como secretário do Tesouro (de julho de 2006 à janeiro de 2009). Tim Geithner também fracassou ao não antecipar a crise enquanto subsecretário do Tesouro (1998-2001), sob o comando de Bob Rubin e Larry Summers, ou como presidente do Fed de Nova Iorque (2003-2009). Larry Summers ficou embevecido com as luzes da ribalta durante o período em que ocupou o posto de secretário do Tesouro dos Estados Unidos.
Buiter termina: "A lista dos cães que não ladraram é longa e composta de nomes respeitáveis. Mas, para ser justo, eu deveria informar que nenhum sábio da academia, eu incluído, foi capaz de antecipar a tormenta que estava prestes a desabar sobre nossas cabeças. Em suas previsões ineptas, os acadêmicos foram acompanhados por gurus, palpiteiros, jornalistas econômicos, futurologistas, urologistas e outros praticantes de quiromancia".
A reputação das previsões econômicas e de seus autores mais conhecidos, os economistas, está nos calcanhares. No caso da caminhada em direção ao crash de 2008, poucos se abstiveram de atear gasolina à fogueira de ilusões construída por Wall Street. Quando as ilusões se dissiparam, os comandantes das estripulias financeiras globais, outrora sobranceiros e confiantes, passaram a clamar pelo socorro dos bancos centrais. Há quem se revolte contra a socialização dos prejuízos, a doação de dinheiro público para impedir o colapso dos cobiçosos. Outros, como Buiter, recomendam que o socorro seja prestado com a imposição de duras condições aos imprudentes para impedir a reiteração do "risco moral".
Antes do desastre, os senhores da finança ocidental e seus ideólogos na academia estavam preocupados em recriminar as encrencas do Japão nos anos 90 e a crise financeira na Ásia. Para eles, as crises financeiras do Oriente eram o resultado lógico de sistemas bancários concebidos para um "capitalismo de compadres", trapalhadas que descuravam da supervisão e regulamentação de seus sistemas bancários. Por conta de seus preconceitos, muitos antecipavam o surgimento de problemas nos bancos chineses, diante da rápida expansão do crédito observada nos últimos anos.
A sucessão de quebras e intervenções do Federal Reserve e do Tesouro nos Estados Unidos deixou essa turma de calças na mão. Logo descobriu que os bancos americanos e suas sombras, as instituições que não recebem depósitos, estavam empenhados em jogar entulho na cordilheira de lixo tóxico. A cadeia de montanhas de detritos financeiros foi construída mediante a multiplicação e negociação de ativos lastreados em créditos hipotecários e a disseminação de derivativos que supostamente garantem os investidores contra o default, os indefectíveis CDS (Credit Default Swaps). Estimulados por comissões polpudas para suas instituições e incentivados pela expectativa de bônus estonteantes, os administradores da finança ajudaram a montar o cenário do crash.
As intervenções do Fed e do Tesouro conseguiram, aos trancos, barrancos e trombadas legais, estancar a rápida deterioração das expectativas. Contrariando os augúrios mais pessimistas, a ação das autoridades foi capaz de afetar positivamente as taxas do interbancário e dos mercados monetários. As injeções de liquidez e os programas de compra de ativos podres não fizeram pouco. Além de construir um piso para a deflação de ativos, as intervenções apagaram as culpas do espírito dos pecadores que, com a ajuda do governo, lograram vencer o colapso da confiança. Vencido o pânico, os senhores da finança tratam de torcer o nariz para as medidas de regulamentação propostas pelas autoridades. A intervenção salvadora do Federal Reserve, sem dúvida, corre o risco de fortalecer a crença de que os desatinos dos investidores estarão sempre a salvo de perdas pronunciadas e definitivas. As eventuais crises seriam momentâneas, apenas oportunidades em que se apresentariam pontos de compra convidativos para o início de uma nova temporada de alta generalizada (Buiter acusa o Banco Central dos Estados Unido de colocar em funcionamento o mais poderoso engenho de "moral hazard" da história da humanidade).
A reação dos governos, no entanto, ainda não conseguiu restabelecer a oferta de crédito no volume desejado para reanimar o dispêndio das famílias e dos negócios. Empresas e consumidores tratam de cortar os gastos (e portanto a demanda de crédito) para ajustar o endividamento contraído no passado à renda que imaginam obter num ambiente de desaceleração da economia e de queda do emprego. A economia real nos Estados Unidos e na Europa segue em sua trajetória recessiva.
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras. E-mail: BelluzzoP@aol.com


País fica exposto a frequentes crises cambiais
O risco do crescimento com poupança externa
João Basilio Pereima Neto e Fábio Dória Scatolin
03/08/2009
Crescimento de longo prazo depende mais da mudança tecnológica e da produtividade do que da existência de poupança
O Brasil historicamente tem adotado a estratégia de financiar o crescimento econômico com poupança externa. No passado recorreu a empréstimos e a investimento estrangeiro direto (IED). Mais recentemente recorreu a fluxos de capital financeiro especulativo e IED. Como resultado, colheu um pífio crescimento nos últimos 20 anos e desnacionalizou cerca de 25% do PIB. O regime monetário mundial pós-Bretton Woods, a atual crise e o corrente aumento de risco e incerteza nos fluxos de capitais têm gerado um intenso debate sobre a conveniência e sustentabilidade desta estratégia de desenvolvimento no futuro.
Os governos de Getúlio Vargas (1950-1954), Juscelino Kubitschek (1956-1960) e o II Programa Nacional de Desenvolvimento (1975-1979) são um marco divisor na história econômica do país pela intensa mudança estrutural que impuseram à economia e pela afirmação de um projeto nacional. Nestes três episódios o país optou por financiar o crescimento com poupança externa e definiu um padrão de relacionamento e dependência à comunidade financeira internacional que permanece até hoje. Nos três ciclos, o modelo combinou aumento da demanda doméstica e importações, câmbio valorizado, investimento industrial público e privado e utilização da poupança externa como fonte de financiamento dos déficits em transações correntes. Mas a principal fonte de crescimento não foi propriamente a poupança, e sim o aumento de produtividade no período. O Brasil viveu até os anos 1970 o mesmo processo que Robert Solow observou nos EUA, onde dois terços do crescimento até os anos 1950 seriam explicados pelo progresso tecnológico.
Embora este modelo tenha funcionado relativamente bem nos primeiros 30 anos, gerando um crescimento médio de 7% ao ano entre 1950-80, ele foi incapaz de garantir o crescimento sustentado após 1980 devido às contradições internas e mudanças no sistema financeiro mundial após 1971. Mesmo durante o período de industrialização, várias vezes o crescimento foi abortado pela necessidade de se ajustar o balanço de pagamento, ao preço de crises cambiais periódicas.
O problema do crescimento com poupança externa é que o modelo exige, a longo prazo, um câmbio valorizado que barateie a importação de bens de capital e ao mesmo tempo evite o aumento do passivo externo em moeda nacional. Um efeito colateral do câmbio valorizado é desviar a demanda interna para fora do país, o que acaba neutralizando uma parte do crescimento, ao mesmo tempo em que inviabiliza exportações e agrava a situação do balanço de pagamentos. Incapaz de sustentar os déficits por muito tempo, o país incorre inevitavelmente em crises externas, com maxidesvalorizações e inflação cambial. Para evitar tais especulações contra a moeda nacional, as autoridades locais veem-se forçadas a aumentar a taxa de juro atraindo capital especulativo, na tentativa, às vezes desesperada, de equilibrar momentaneamente o balanço de pagamentos. A política monetária restritiva adiciona novo efeito colateral que bloqueia o crescimento econômico. As contradições internas introduzem volatilidade cambial, erraticidade e problemas irresolvíveis no processo de crescimento.
Além disto, a tese da necessidade de poupança externa não leva em conta uma propriedade estrutural das modernas economias monetárias: o sistema bancário e o crédito criam endogenamente a poupança necessária para financiar os investimentos. Assim, o crescimento de longo prazo depende mais da mudança tecnológica e da produtividade do que da existência de poupança.
Infelizmente a permanência e a racionalidade da estratégia de crescimento com poupança externa sobrevivem no Brasil até os dias de hoje. Por quê? A escolha entre modelos de financiamento é também um problema de economia política que revela, de um lado, o entendimento das coalizões de forças e interesses que dão sustentação a cada governo, e de outro lado as oportunidades de inserção mundial que as dotações de fatores e a estratégia perseguida possibilitam na história dos países. No caso brasileiro, é visível o predomínio do interesse e da razão financeira em recorrer à poupança externa sobre a razão tecnológica e nacional.
Além disso, o recurso à poupança externa é anacrônico quando se olha para o sistema financeiro mundial. Com o fim do sistema regulado de Bretton Woods em 1971 e a substituição de um regime de câmbio fixo por flutuante, as finanças se descolaram do lado real da economia arbitrando com diferenciais de juros e flutuações cambiais. Ao mesmo tempo em que removia barreiras à mobilidade do capital, a desregulação mundial propiciou uma explosão de novos esquemas de valorização do capital financeiro. O resultado foi que os sismógrafos registraram tremores mais frequentes e aumento da instabilidade financeira em praticamente todos os países. O economista Barry Eichengreen encontrou evidências de mais de 120 crises cambiais entre a década de 1970 e a primeira década deste milênio. Os países mais expostos foram exatamente os que adotaram modelos de crescimento com poupança externa combinando câmbio valorizado com déficits em transações correntes, como o Brasil.
No que se refere à atual crise, o cerne dela está no que Ben Bernanke denominou de excesso de poupança mundial. É possível que a crise econômica ponha fim à era dos desequilíbrios nos balanços de pagamentos. Uma nova fase do capitalismo mundial poderá se seguir, na forma de uma batalha pelos lucros. O recrudescimento do comércio internacional estimulará os IED no exterior como forma de contornar barreiras.
Os países superavitários irão reciclar suas reservas internacionais, hoje maciçamente aplicadas no mercado financeiro americano e inglês em crise, financiando investimentos e aquisições no exterior com o objetivo de dominar as fontes de lucros e garantir remessas eternas de lucros. O IED no exterior é mais seguro que o comércio e estes países já estão indo às compras. Das 50 maiores empresas de países emergentes internacionais em 2005, apenas três eram brasileiras. Na contramão do mundo, os países que procurarem atrair poupança externa, como o Brasil, se tornarão a presa fácil.
É preocupante que o governo Lula não atente para isso. Também é preocupante que o PSDB e os postulantes à Presidência ainda raciocinem com o pensamento macroeconômico do século passado, viciados em poupança externa. Definitivamente, não dá para pensar o Século XXI com as mentes do Século XX.
João Basilio Pereima Neto e Fábio Dória Scatolin são professores de Economia da Universidade Federal do Paraná. E-mails: joaobasilio@ufpr.br e scatolin@ufpr.br

Os 15 anos do Real
Escrito por Paulo Passarinho
03-Jul-2009
No último 1º de julho, completaram-se quinze anos do lançamento do Plano Real. Muito mais do que a entrada em circulação de uma nova moeda, o Real representou o coroamento de um processo que havia tido início, ainda de forma tímida, durante a gestão de Maílson da Nóbrega no ministério da Fazenda, no governo de José Sarney, com as primeiras medidas voltadas para a facilitação da abertura financeira do país.
Esse processo, podemos afirmar, tinha como objetivo superar o que se convencionou chamar de modelo desenvolvimentista, sustentado por uma visão de industrialização do país pela via da substituição de importações. Este foi o modelo que vigorou no Brasil entre os anos 30 e 80, quando entrou em crise a partir da eclosão da crise da dívida externa.
O novo modelo, que se esboçou no fim do governo Sarney e ganhou maior expressão com o início do governo Collor, defendia uma concepção de desenvolvimento baseada na abertura da economia – não somente produtiva e comercial, mas financeira –, baseado na crença de que a atração de capitais e investimentos das transnacionais nos traria uma modernização tecnológica, capaz de incrementar as nossas exportações, estimular o crescimento econômico e nos fazer superar os crônicos problemas de nosso balanço de pagamentos.
Os problemas decorrentes da própria trajetória do curto e turbulento governo Collor acabaram por comprometer as várias medidas que deveriam sustentar essa mudança do modelo econômico. Coube ao governo Itamar retomar a agenda de reformas, com a implementação do programa de privatizações de empresas estatais e, especialmente, com o ajuste das políticas monetária e fiscal, em sintonia com os pressupostos do novo modelo.
Cumpre lembrar que coincide com esse momento, e não sem razão, o processo de conclusão do acordo de renegociação da dívida externa do país, junto aos credores internacionais. Pedro Malan, principal negociador do Brasil, logo assume a presidência do Banco Central e passa a ser figura-chave de todo o processo anterior ao lançamento formal da nova moeda.
A entrada em vigor do Real consolidou uma nova fase de integração financeira do país com os circuitos internacionais. A paridade de um para um da nova moeda com o dólar, a forte redução das alíquotas de importação e a remoção de mecanismos que dificultavam o avanço da liberalização financeira do país tiveram a capacidade de reduzir de forma significativa as taxas internas de inflação.
Contudo, o preço a ser pago pela sociedade brasileira, e particularmente pelos trabalhadores brasileiros, foi extremamente alto.
A precarização das condições de trabalho, a elevação substantiva das taxas de desemprego e a redução do poder aquisitivo dos trabalhadores são marcas dessa nova fase da economia brasileira, em geral não lembradas como resultados das mudanças que trouxeram o "o fim da inflação".
Além disso, as baixas taxas de crescimento econômico, em combinação com as várias crises cambiais ocorridas entre os anos de 1997 e 2002, deveriam servir de impulsionador para as mudanças que se avizinhavam com as eleições de 2002, e a provável vitória de Lula.
Como um pano de fundo trágico de todas essas mudanças, observamos a progressiva asfixia financeira do Estado brasileiro, em suas esferas federal, estadual e municipal. Submetido ao arrocho fiscal provocado pela política de juros altos, essencial à atração de capitais externos vitais ao equilíbrio do balanço de pagamentos, as políticas de responsabilidade social do Estado foram as mais prejudicadas. Além disso, houve uma espantosa explosão do endividamento em títulos do governo, de R$ 62 bilhões, em 1995, para mais de R$ 1,2 trilhão, neste ano de 2009.
Um exemplo dessa tragédia pode ser dado pelas péssimas condições em que se encontram as políticas – se é que assim podemos chamá-las – de saúde, de educação, de habitação popular, de segurança pública ou de transportes.
Ao mesmo tempo, as tarifas dos serviços públicos essenciais ao dia-a-dia da população – energia elétrica, água, telefones – sofreram aumentos espantosos, com as privatizações e sem a efetiva melhoria dos serviços com redução de custos, conforme as promessas e justificativas apresentadas para a transferência dessas responsabilidades do Estado às mãos da iniciativa privada.
Nada disso é contabilizado nos momentos em que se procura fazer um balanço da situação do país, com a herança que nos foi deixada pelo novo modelo.
Ao contrário, junto com a maciça propaganda dos efeitos positivos das reformas liberais nos principais meios de comunicação do país, a mudança da orientação programática de Lula e seus liderados, a partir de 2002, veio a dar maior respaldo e apoio ao rumo de um Brasil que aposta no capital internacional como o seu principal aliado para o desenvolvimento do país.
A espetacular mudança do quadro internacional, com o vertiginoso crescimento do mercado de commodities, beneficiou o crescimento do saldo comercial brasileiro, e possibilitou, enfim, e em pleno governo de Lula, que a antiga promessa dos liberais, em corrigir os desequilíbrios das nossas contas externas, fosse, ao menos temporariamente, cumprida.
O governo de Lula, assim, mesmo não operando a mudança do modelo econômico herdado de Collor e de FHC, conseguiu obter resultados em termos de crescimento econômico e de geração de empregos muito diferentes daqueles alcançados pelos seus antecessores. Além disso, foi possível a Lula implementar uma política ativa de valorização do salário-mínimo, bem como ampliar os recursos destinados aos programas de transferência de renda aos mais pobres, o que consolidou a sua popularidade.
Entretanto, e apesar dessa enorme e surpreendente adesão até mesmo de antigos adversários do modelo liberal ao processo que continua em curso na economia e na sociedade brasileiras, as fraturas desse modelo se aprofundam.
Há uma crise gritante na sociedade brasileira. Todas as políticas públicas relevantes para a população – da educação à saúde; do meio-ambiente aos transportes; da segurança aos direitos previdenciários – se encontram em uma situação de precariedade crescente.
Mais grave: existe um processo de alienação, desencantamento ou mesmo ‘abobalhamento’ de vários segmentos da sociedade – inclusive de setores ditos organizados, aculturados ou intelectualizados – que apenas revela a gravidade da situação.
A degradação política, moral e intelectual das instituições e dos quadros que ocupam o centro nervoso da política brasileira é apenas uma faceta dessa situação que vivemos.
Se reconhecemos que Collor introduziu o país por esse questionável caminho, se constatamos que FHC preparou as condições do aprofundamento dessa opção, é com pesar que reconhecemos que Lula procurou dar popularidade ao modelo que compromete o nosso futuro e sacrifica o nosso presente.
A metamorfose da maior parte da esquerda brasileira – ao acompanhar Lula – apenas agrava, ainda mais, a dramática situação brasileira.
Paulo Passarinho, economista, é presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.

Por que taxa real de câmbio importa?
Marcio Holland
05/08/2009
O Brasil é um país de renda per capita média, de acordo com a generosa classificação do Banco Mundial. Mesmo sendo a nona economia industrial do mundo, ainda produz pouco menos de 2% do PIB mundial e contribui com menos de 1,5% do comércio mundial. Mais do que isso, mesmo com uma pauta de exportações razoavelmente diversificada se comparada com a de outras economias da América do Sul, o Brasil é basicamente um exportador de commodities. Exportamos muito do mesmo, cada vez mais do mesmo. Até quando crescemos nosso comércio mundial, estamos lá exportando cada vez mais do mesmo. Somos definitivamente uma economia pequena e pobre. Nada de ilusões.
Para se ter uma ideia, em 1990, quando o Brasil exportava pouco mais de 2% do total exportado para a China, 45% de tais exportações eram de produtos primários e baseados em recursos naturais. Hoje em dia, mandamos para a China, nosso principal parceiro comercial individual, mais de 85% destes mesmos produtos. Quase nada de produtos manufaturados e de média e alta tecnologia. Cada vez menos destes para Estados Unidos e Europa. Aos nossos produtos manufaturados e de média e alta tecnologia restam ainda nossos vizinhos sul-americanos. Os chineses, ao contrário, inundam o mundo como o maior exportador mundial, lado a lado com a poderosa Alemanha, com produtos predominantemente de alta tecnologia. A China é hoje muito mais um retrato de nossa maldição de recursos naturais do que de oportunidades de negócios.
Mas qual é o papel da taxa real de câmbio neste processo? Provavelmente, ela é um instrumento de política de governo com duplo efeito: de um lado, sobre o crescimento econômico, e de outro lado, sobre o equilíbrio de balanço de pagamentos. Tal instrumento permite um crescimento sustentável de longo prazo com equilíbrio de balanço de pagamentos, o que é altamente desejável. Exportar commodities é perpetuar a dependência do crescimento econômico à volatilidade dos termos de troca. Uma taxa de câmbio persistentemente apreciada inibe a produção voltada para exportações de produtos manufaturados e limita o crescimento aos ciclos de alta dos preços das commodities, nossos raros produtos naturalmente competitivos. Deixar a taxa de câmbio se apreciar tem sido quase que uma maldição da economia brasileira, especialmente em momentos absolutamente inoportunos.
Com a ajuda do gráfico, note que quando nossa taxa real de câmbio se desvaloriza, não é por política de governo, não é porque o governo a deixa desvalorizar deliberadamente, mas é porque vivemos alguma crise (cambial, financeira, etc). Isso aconteceu claramente com a crise de balanço de pagamentos (crise de dívida externa) no começo dos anos 1980 e com a crise de confiança instalada com a corrida presidencial em 2002, após um overshooting cambial causado pela crise cambial de 1999. Mas, curiosamente, são nestes momentos que nossos termos de troca (razão entre os preços das exportações e os preços das importações) não crescem para compensar prováveis perdas de receitas de exportações. Nestes momentos, para sustentar saldos comerciais é preciso aumentar em muito o esforço exportador, elevando a quantidade exportada. Assim foi no começo dos anos 80, com contenção de demanda agregada doméstica.
Passamos quase 15 anos (1985 a 1998) em clara trajetória de apreciação cambial. Nenhuma indústria nacional deveria sobreviver de modo competitivo sob tal ambiente. Não é por nada que neste mesmo período a participação da indústria no PIB caiu mais de 10%, em um processo de desindustrialização apressada da economia brasileira. Não se tem incentivo algum para inovar e exportar produtos diferenciados que se aproximem da fronteira tecnológica mundial. Modernizamos pouco neste período, ou menos do que deveríamos - ou menos do que o mundo se modernizou. Exportamos aquilo que sai razoavelmente fácil da terra; nossa abundância de recursos naturais torna-se cada vez mais nossa maldição. Não por culpa do competitivo agronegócio brasileiro. Seu esforço inovador é louvável neste ambiente, mas por completa falta de estratégica de crescimento de longo prazo. Aqui volto a lembrar da importância da taxa de câmbio real de longo prazo.
Só para reforçar, volta-se o ciclo de nova apreciação cambial após 2003, que se segue em 2009 e provavelmente 2010, após a parada temporária com a crise financeira de 2008. Nossa sorte foi que, neste período, os preços das commodities subiram ainda mais do que a apreciação cambial brasileira. Somos mesmo um país de sorte, não de política de desenvolvimento. Contamos com a sorte e com ela crescemos e exportamos mais, sempre mais do mesmo.
Até quando os economistas brasileiros serão inocentes o suficiente para não entender que, com tal absurda tendência a apreciação da taxa de câmbio, só a sorte nos fará crescer alguma coisa por algum tempo?

Márcio Holland é professor da FGV-EESP e pesquisador CNPq.
Conjuntura: Economistas divergem sobre atuação do governo no câmbio
Real forte traz de volta temor sobre o futuro da indústriaVera Saavedra Durão e Ana Paula Grabois, do Rio
06/08/2009
Leo Pinheiro/Valor
José Marcio Camargo, da PUC-RJ e da Opus Investimento: movimento cambial não está relacionado à taxa de juros
A nova onda de apreciação do real trouxe de volta o debate sobre o futuro da indústria brasileira de transformação, principalmente dos setores mais atrelados às exportações. No ano, a moeda americana acumula uma desvalorização de 22,45% em relação ao real, uma taxa expressiva. A questão é polêmica e divide economistas ouvidos pelo Valor.
José Márcio Camargo, economista da PUC-RJ e da Opus Investimentos, atribui o fortalecimento da moeda brasileira à entrada de recursos para investimentos diretos na economia, pois, no seu cenário, o país deve crescer acima da média mundial. "Uma parte do interesse externo tem a ver com o diferencial de juros e outra com o setor produtivo não especulativo da economia. Não estou vendo muita entrada de recursos por arbitragem de juros", disse Camargo. Ele prevê que a desvalorização cambial deve continuar, com o dólar na casa dos R$ 1,75 até dezembro.
Para Júlio Sérgio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e economista do Iedi, o câmbio valorizado pode reduzir os investimentos da indústria brasileira de transformação, principalmente nos setores comercializáveis, que estão perdendo muita competitividade com o real forte. "O Brasil está implementando um modelo econômico voltado para o mercado interno difícil de sustentar num mundo globalizado", pondera. O economista avalia que neste modelo a demanda interna vai ter que crescer a taxas chinesas para garantir o crescimento do PIB e compensar o enfraquecimento das vendas externas. "A apreciação cambial é um falso brilhante", adverte Almeida.
José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), já antevê um efeito negativo sobre as exportações de calçados, brinquedos e confecções, artigos que têm uma demanda sazonal no segundo semestre por conta de encomendas de Natal e que pouco dependem de crédito. "Acho que eles vão sofrer com a taxa de câmbio e na melhor das hipóteses vão ficar no mesmo patamar de vendas que estão agora. Esses produtos têm concorrência direta com o produto chinês e a dificuldade é ampliar sua presença na balança comercial brasileira, porque o chinês está ocupando seu espaço por falta de competitividade do produto nacional devido ao cambio apreciado", argumenta.
O dirigente da AEB não vê nenhum movimento da parte do governo para segurar a queda do dólar. "O governo prioriza o controle da inflação e o câmbio ajuda a segurar os preços", disse. Castro destacou que ontem o câmbio caiu de novo. "Qualquer empresa que vai fazer venda futura vai considerar uma taxa de câmbio mais baixa, entre R$ 1,70 a R$ 1,75". Nesse contexto, Castro avalia que os exportadores de manufaturados vão ter que elevar o preço de suas mercadorias para não ter prejuízo, pois os chineses estão baixando o preço, informou. Ele defende a tributação "do capital especulativo" para reduzir o fluxo de dólar no país.
Segundo estatísticas da AEB, o Brasil está virando um exportador de commodities. Entre janeiro e julho deste ano, a participação dos básicos na balança comercial foi de 42,6% ante 36,3% em 2008, enquanto a dos semimanufaturados ficou em 12,6% ante 13,7% no ano passado e dos manufaturados caiu para 42,9% ante 47,4% em 2008. "A presença dos manufaturados está diminuindo. Em julho, isoladamente, os básicos contribuiram com 45,2% das exportações, os semimanufaturados com 12,3% e os manufaturados com 40,6%. A tendência é de queda se for mantida a apreciação".
Para o economista-chefe do banco Santander, Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, "a valorização do real é movimento de mercado". Ele avalia que a alta das commodities no mercado internacional é que alimenta a apreciação cambial, pois dois terços das exportações brasileiras são de produtos básicos. "O país fica mais rico porque vende commodity mais caro e compra industrializado mais barato. O consumo aumenta e o investimento também."
O economista-chefe do banco espanhol se opõe à tese da desindustrialização provocada pela valorização do real. Argumenta que nos últimos 12 meses encerrados em junho de 2008, período anterior à crise global, quando o dólar já mostrava desvalorização, os setores que mais cresceram na economia brasileira foram os industriais como automóveis, máquinas e eletrônicos. Para ele, o real tem se comportado como as demais moedas. "Os movimentos são parecidos, não há nada de anormal nisto."
Camargo, da Opus Investimentos, reforça a tese de Schwartsman de que o fenômeno da moeda forte não é brasileiro. O economista lembra que houve uma desvalorização do real e de uma série de outras moedas - que tem maior risco - quando a economia entrou em queda livre no fim do ano passado. "Os investidores fugiram dessas moedas e o real foi uma delas. A partir do momento em que a economia mostrou sinais de melhora, os investidores voltaram. Por isso, uma parte da valorização do real eu atribuo à normalização da economia".
Roberto Messenberg, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), crítico do real forte, diz que hoje o dólar, em relação à moeda brasileira, está valendo menos 3% sobre a média de 1995, quando o regime cambial era fixo sob a batuta de Gustavo Franco. Messenberg defende uma maior atuação no mercado de câmbio para, pelo menos, neutralizar a tendência de queda do dólar, e formar reservas. "Isso não onera a dívida pública porque o juro cai."
Para ele, a desvalorização é necessária para retomar o investimento, ainda que os preços de bens de capital importados sejam mais baixos em um regime de apreciação cambial da moeda brasileira. "O efeito da desvalorização sobre as exportações é mais benéfico para a taxa de investimento do que o da queda do preço dos importados no real forte".
Messenberg destaca que o crescimento da economia e da indústria estão baixos, o investimento está em queda e a indústria ficou sem ter para onde crescer. No seu entender, neste ambiente, o consumo doméstico não vai conseguir compensar a queda das exportações. O impacto do dólar desvalorizado sobre a indústria pode gerar problemas no balanço de pagamentos do paí, avalia. Ele defende um corte maior de juros como forma de inibir a entrada de dólares, pelo menos para travar o atual movimento de valorização.
Almeida, do Iedi, concorda com o economista do Ipea. "Enquanto tiver diferencial de juros vai ter esta enorme atratividade para colocar o dinheiro no Brasil e o Banco Central acha que não precisa fazer controle de capital e nem atuar agressivamente no mercado. O que leva ao encolhimento da indústria, a menos que o mercado interno cresça acima da expectativas". Messenberg, do Ipea, alerta que a indústria pode continuar a ser o centro da recessão. "Podemos voltar a ter fragilidade externa vinda da indústria".

Controle de capitais não é solução
Gustavo Loyola17/08/2009
A recente trajetória de apreciação do real e as previsões de seu fortalecimento adicional nos próximos meses reacenderam o debate sobre a conveniência de adoção de medidas de controle da entrada de capitais externos, com o objetivo de evitar ou atenuar a perda de competitividade dos bens produzidos no Brasil.
Os defensores dessa medida relembram que outros países, no passado, trilharam o mesmo caminho com sucesso. Frequentemente é citado o exemplo do Chile que, no início dos anos 1990, adotou um depósito compulsório não-remunerado sobre o ingresso de capitais.
A minha experiência profissional no Banco Central me aconselha a adotar uma posição pragmática em relação a esse tema. É necessário reconhecer que há situações em que o controle do ingresso de capitais é o único instrumento à disposição do Banco Central. Porém, parece-me que tais situações são sempre excepcionais e temporárias, não sendo razoável perenizar os controles de capitais como elemento integrante do regime cambial de um país.
As principais razões teóricas para adoção do controle do ingresso de capitais são: a) evitar a apreciação do câmbio, nos momentos em que há excesso de oferta de recursos para o país; b) reduzir o influxo de capitais de curto prazo, cuja reversão traz potencialmente problemas macroeconômicos e de instabilidade financeira; c) preservar ou aumentar a autonomia da política monetária.
No presente momento, das três hipóteses acima, apenas o objetivo de impedir a apreciação do real poderia, em tese, ser aventado como motivação para um eventual controle da entrada de divisas no Brasil.
Por um lado, a composição e o tamanho do passivo externo não indicam a presença dos riscos normalmente atribuídos ao excesso de endividamento de curto prazo. Esse tipo de problema ocorre mais frequentemente quando o regime de câmbio é de taxas fixas (ou de bandas estreitas) e na presença de mecanismos de transferência do risco cambial do setor privado para o governo. Obviamente, não é esse o caso da economia brasileira no momento atual.
No regime de taxas flutuantes de câmbio, como o vigente hoje em nosso país, nas situações de reversão do fluxo de capitais, em grande medida os ajustes se dão via preços, principalmente nos casos em que o passivo externo é dominado por investimentos em "equity" e não em dívida. Além disso, os dados mostram que os fluxos de capitais recentes para o Brasil não se caracterizam como dívida de curto prazo, mas sim por investimentos diretos e aplicações em ações negociadas em bolsas de valores.
De outra parte, não há por que falar nesse momento na necessidade de defesa da autonomia da política monetária. Ao contrário, o regime de taxas flutuantes de câmbio se caracteriza, em contraste ao regime de taxas fixas, pela capacidade de se executar uma política monetária doméstica independente. É certo que, na prática, a flutuação "pura" do câmbio é muito rara, predominando, como na situação brasileira atual, um regime de flutuação "suja", em que o mercado se sujeita às intervenções do BC. Na presença de um grande influxo de capitais e havendo a decisão do BC de intervir na ponta compradora de câmbio para evitar a apreciação da moeda doméstica, a acumulação de reservas internacionais pode trazer custos relevantes, quando há um diferencial positivo de taxas de juros. Porém, o quadro atual é de baixo risco inflacionário, portanto mais propício à queda adicional dos juros domésticos do que ao uso de barreiras à entrada de capitais.
Resta, então, pura e simplesmente o objetivo de não permitir a apreciação do real, com vistas a defender a competitividade da produção nacional. O problema é que a manutenção de um nível artificialmente depreciado da moeda nacional não tem o condão de solucionar problemas de tal natureza que normalmente têm raízes estruturais. Quando muito, é admissível que as autoridades busquem evitar a volatilidade excessiva da taxa de câmbio, preferivelmente através da intervenção direta do BC no mercado cambial e não por meio de medidas administrativas como o controle da entrada de capitais. Com esse tipo de política, o objetivo não é a fixação de um patamar mínimo para o valor do dólar, mas sim o de diminuir as incertezas associadas à sua volatilidade excessiva.
Por outro lado, é duvidoso que a intervenção do BC ou medidas administrativas de controle de capitais afetem o nível de taxa real de câmbio a médio prazo. Na verdade, esse tipo de política em nada ajuda na solução dos reais problemas da indústria nacional, tais como a elevada carga de tributos, infraestrutura logística cara e ineficiente, um Estado excessivamente intervencionista e burocrático etc.
Desse modo, a pretensão de afetar a trajetória de câmbio real por meio de controles de capitais parece fadada ao insucesso. Vale ressaltar que mesmo no caso da experiência "exitosa" chilena o efeito dos depósitos compulsórios não-remunerados sobre a taxa de câmbio real foi insignificante. O que se obteve foi a elevação do diferencial entre os juros domésticos e externos, o alongamento do prazo dos passivos externos e a redução dos fluxos líquidos de capitais, conforme atesta trabalho de três economistas do BC chileno ("Documento de Trabajo n. 59", disponível no site do BC do Chile).
Adicionalmente, a adoção de controles de entrada de capitais é desaconselhável pelas dificuldades de administração desses mecanismos por parte do BC, no contexto de mercados financeiros crescentemente integrados e globalizados. A efetividade dos controles tende a ser efêmera, o que exige das autoridades um constante monitoramento e frequentes alterações de regras para evitar que brechas sejam descobertas e aproveitadas pelos agentes de mercado para evadirem-se dos controles. Esse processo não apenas gera um desperdício de recursos como também afeta negativamente o funcionamento do mercado cambial e aumenta as incertezas para os agentes econômicos.
Gustavo Loyola é doutor em Economia pela EPGE/FGV. Ex-presidente do Banco Central do Brasil. É sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo. Escreve mensalmente às segundas-feiras.

Há alternativa à política cambial?
Marcio Garcia
25/09/2009
No final de setembro de 2002, em meio à forte crise, o dólar chegou a valer quase R$ 4,00. Como se confirmando a previsão bíblica de José da alternância de sete anos de vacas magras com sete anos de vacas gordas, o valor do dólar hoje caiu a menos da metade da cotação de sete anos atrás. O Brasil é a bola da vez, desta vez para o bem. É intensa a entrada de capitais no Brasil devido às boas perspectivas de nossa economia, agora elevada ao grau de investimento pelas três grandes agências de rating, e à volta da farta liquidez internacional. A taxa de câmbio retoma a tendência de apreciação, voltando a ser o principal tema do debate econômico.
Argumentos apaixonados aparecem com frequência. Na quarta-feira passada, este jornal reportou debate sobre câmbio, no qual um líder industrial manifestou a opinião de que "... a administração da moeda brasileira tem sido desastrosa" (Valor Econômico, 23/9/2008, página A3). Na página anterior, Cristiano Romero contrapôs as visões dos presidentes do BC e do BNDES sobre política cambial, destacando que "... o que fica claro é que o tema vai dominar as discussões daqui em diante, especialmente, no primeiro ano do governo eleito em 2010" (Valor Econômico, 23/9/2008, página A2). Naturalmente, as opiniões dos dois "policy-makers" não carregam a mesma paixão do debate reportado na página seguinte. Ainda assim, não deixam margem para dúvidas de que há enormes divergências no que tange ao futuro da política cambial.
O principal instrumento de política cambial ao qual o BC tem recorrido são as intervenções esterilizadas. Cumpre ressaltar que o BC sempre negou ser o objetivo de tais intervenções atingir uma meta, ou colocar piso ou teto, para a taxa de câmbio. Os objetivos declarados do BC com suas intervenções cambiais esterilizadas são acumular reservas como seguro contra crises e diminuir volatilidade excessiva ocasional no mercado cambial. Apesar disso, tais intervenções cumprem também o papel de apaziguar clamores para que o governo faça algo para mitigar a apreciação do real.
Em meu artigo anterior, em 28/8/2009, analisei a eficácia das intervenções cambiais esterilizadas em controlar a apreciação do real. Em princípio, não parece haver boas razões teóricas, nem evidências empíricas, que sustentem serem tais intervenções eficazes em alterar a tendência de longo prazo da taxa de câmbio, embora haja necessidade de muito mais pesquisa, teórica e empírica, sobre o assunto. Se, apesar da continuidade das intervenções cambiais esterilizadas do BC, a tendência de apreciação do real prosseguir nos próximos meses, entrando no novo mandato presidencial, não é improvável que o futuro governo seja tentado a implementar outro tipo de política cambial, visando conter o fortalecimento do real. Meu objetivo no artigo de hoje é refletir sobre as mudanças que ocorreriam na atuação do BC, bem como suas possíveis consequências.
A política monetária no Brasil, desde 1999, baseia-se no regime de metas para inflação. A operação deste regime se dá via a fixação de uma meta em médio prazo para a inflação. Com base na meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o BC opera a política monetária fixando seu principal instrumento: a taxa de juros básica, a taxa Selic. A cada seis semanas, reúne-se o Comitê de Política Monetária (Copom) que analisa detidamente a conjuntura econômica e fixa o valor da taxa Selic que deverá vigorar até sua próxima reunião.
Fixada a meta para a taxa Selic, a mesa de open do BC encarrega-se de implementá-la via operações de mercado aberto. Isto é feito pelo staff do BC monitorando minuto a minuto a taxa Selic negociada em mercado. Se a taxa Selic cair muito abaixo da meta fixada pelo Copom, o BC enxuga liquidez, vendendo títulos públicos, até que a taxa Selic volte para perto da meta e vice-versa.
Suponhamos que o governo que assumirá em 2011 decida realizar intervenções cambiais não-esterilizadas com o propósito de reverter a depreciação do real. Como tais intervenções alterariam a condução da política monetária?
Naturalmente, a compra de dólares pelo BC injetaria moeda na economia, reduzindo a taxa Selic, que passaria a ficar abaixo da meta fixada pelo Copom. Mas, por hipótese, a mesa do BC não poderia reagir, pois, para depreciar o real, a compra de cambiais não poderia ser esterilizada via operações contracionistas de mercado aberto. Ou seja, tais operações cambiais são incompatíveis com o modus operandi do sistema de metas para a inflação.
Ciente deste raciocínio econômico básico, quem quer que esteja à frente das políticas monetária e cambial terá que, forçosamente, tentar convencer a sociedade de que o abandono das práticas do sistema de metas para inflação não colocará em risco o controle inflacionário. Provavelmente, ocorreria a tentativa de enfatizar alguma outra variável econômica, tentando tirar a atenção da taxa Selic, mas não seria fácil.
Defensores dessa estratégia lembram que a China consegue fazer a mágica de manter sua taxa de câmbio artificialmente depreciada sem ter, até hoje, problemas com inflação. Muitos desses entusiastas da experiência chinesa eram também defensores da política cambial argentina, que realizava intervenções cambiais não-esterilizadas. Entretanto, desde que a inflação, entre outros males econômicos, tornou-se problema grave no vizinho do sul, passaram a citar exclusivamente o exemplo asiático.
Há evidências de que a capacidade de se manter a taxa nominal de câmbio depreciada sem gerar problemas inflacionários, assim obtendo a almejada depreciação da taxa real de câmbio, esteja fortemente relacionada à taxa de poupança da economia. Como a taxa de poupança das economias brasileira e argentina são semelhantes, não chegando à metade da taxa de poupança chinesa, o exemplo relevante para o Brasil é o argentino, não o chinês.
Em síntese, se os anos de vacas gordas continuarem, é bem possível que o(a) próximo(a) presidente tente adotar novas formas de intervir no câmbio. Sem outras mudanças que elevem a taxa de poupança da economia, sobretudo no que tange à enorme deterioração do superávit primário que vem sendo observada, o resultado será um gradual abandono de fato do sistema de metas para inflação, com a consequente alta da inflação.
Márcio G. P. Garcia, PhD por Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, escreve mensalmente às sextas-feiras ( http://www.econ.puc-rio.br/mgarcia )
Há indícios inequívocos de desindustrialização da economia.
Sim, uma outra política cambial é possível
Por José Luis Oreiro e Luiz F. de Paula
08/10/2009
A implantação de uma nova política cambial requer a combinação de desenvolvimentismo com fiscalismo
Alguns economistas ortodoxos ficaram desconfortáveis com as declarações de representantes do setor produtivo sobre o caráter desastroso da política cambial brasileira. Para os ortodoxos brasileiros essa afirmação seria desprovida de fundamentação científica, estando mais ancorada nas paixões do que na razão. Além disso, afirmam eles que a adoção de uma política de administração da taxa de câmbio teria o efeito de solapar o regime de metas de inflação brasileiro, pondo em risco a estabilidade de preços duramente obtida nos últimos 15 anos.
Em artigos anteriores, publicados no Valor e em outros veículos, já tivemos a oportunidade de argumentar que a tendência à apreciação da taxa real de câmbio ocorrida desde 2005 tem produzido efeitos fortemente negativos sobre a economia brasileira. Com efeito, a participação dos manufaturados na pauta de exportações brasileira tem se reduzido, assim como a participação da produção doméstica no consumo aparente de produtos manufaturados. Tratam-se de sinais inequívocos de desindustrialização da economia brasileira, com efeitos negativos sobre as perspectivas de crescimento de longo prazo, dado que a fonte de retornos crescentes de escala se encontra nas atividades manufatureiras, não nas atividades primárias exportadoras.
Neste artigo iremos abordar a relação entre política cambial, política monetária, política fiscal e inflação. Segundo a interpretação ortodoxa a estabilização da taxa de câmbio num patamar competitivo só seria possível se o Banco Central do Brasil fizesse operações não-esterilizadas de compra de dólares no mercado à vista de câmbio. As operações esterilizadas, segundo essa linha de interpretação, não teriam nenhum impacto perceptível sobre a taxa de câmbio, ao passo que a introdução de controles de capitais seria uma medida ineficaz para impedir a apreciação cambial resultante dos fluxos de entrada de capitais. Dessa forma, a única alternativa possível seria a realização de intervenções não-esterilizadas. O problema é que, nesse contexto, o Banco Central perderia a capacidade de fixar a taxa nominal de juros, podendo apenas determinar o valor da taxa nominal de câmbio. Dessa forma, a lógica operacional do sistema de metas de inflação seria destruída, haja vista que o objetivo da política monetária não seria mais o controle da taxa de inflação, mas a administração da taxa de câmbio. Perder-se-ia assim a âncora nominal para a taxa de inflação, abrindo a possibilidade para o surgimento de um processo inflacionário alimentado por profecias auto-realizáveis: expectativas de elevação da taxa de inflação produzem um aumento da demanda agregada, o que pressiona a taxa de inflação para cima devido à inelasticidade da oferta agregada no longo prazo, sancionando as expectativas de elevação da inflação, o que possibilita um novo ciclo de elevação da taxa de inflação esperada. Esse quadro seria agravado pelo caráter puramente passivo da política monetária e pelo fato de que o objetivo da política cambial seria manter um câmbio depreciado, o que tem um impacto negativo sobre o nível de salário real, podendo abrir caminho para uma espiral salários-preços em função do conflito distributivo entre firmas e sindicatos sobre o nível de salário real aceitável para ambos.
O raciocínio ortodoxo possui dois equívocos fundamentais. Em primeiro lugar, parte-se do pressuposto de que uma política de controles da entrada de capitais se basearia necessariamente em controles seletivos (ou seja, direcionados para um tipo específico de fluxo de capitais) ao invés de abrangentes. Nesse contexto, fica fácil argumentar que os controles podem ser burlados pelo sistema financeiro brasileiro, que é altamente sofisticado. Mas, boa parte dos economistas que defendem a adoção de controles de capitais, advogam a adoção de controles abrangentes, o que reduziria muito a possibilidade de se burlar os mesmos por manobras criativas por parte do sistema financeiro.
No entanto, o segundo erro é mais relevante. Os economistas ortodoxos assumem que a administração da taxa de câmbio pode ser feita apenas por intermédio do Banco Central. Isso é falso. Os economistas que defendem uma política ativa de administração da taxa de câmbio, consideram indispensável a constituição de um fundo de estabilização cambial, financiado com recursos do Tesouro Nacional. Dessa forma, as operações de compra e venda de dólares no mercado à vista de câmbio não terão nenhum impacto sobre a base monetária e, portanto, sobre a capacidade do Banco Central de fixar a taxa nominal de juros com vistas ao atendimento da meta de inflação. Uma possibilidade concreta para o caso brasileiro seria aproveitar o fundo soberano brasileiro, turbinando o mesmo com aporte adicional de recursos pelo Tesouro Nacional de forma a permitir que o mesmo atue como "market maker" no mercado de câmbio. Contudo, para que o aporte de recursos ao fundo de estabilização cambial não gere efeitos desestabilizadores sobre a dinâmica da dívida pública brasileira é necessário que a constituição desse fundo seja precedida de um aumento considerável da meta de superávit primário como proporção do PIB. É nesse quesito que verificamos a importância dos controles à entrada de capitais. A magnitude do fundo de estabilização cambial será tão maior quanto maior for o fluxo de entrada de capitais na economia brasileira, o que implica necessariamente num maior esforço fiscal em termos do aumento da meta de superávit primário. Para reduzir o esforço fiscal requerido para a implantação desse fundo, faz-se necessária a introdução de controles abrangentes da entrada de capitais no Brasil para reduzir, ainda que marginalmente, os fluxos de dólares para a economia brasileira.
Em suma, uma nova política cambial que combine administração da taxa de câmbio por intermédio do fundo de estabilização cambial, controles a entrada de capitais e aumento da meta de superávit primário não só é perfeitamente possível, como compatível com o regime de metas de inflação. A implantação da mesma, no entanto, requer a combinação de "desenvolvimentismo" com "fiscalismo".
José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da UnB e pesquisador do CNPq. E-mail: jlcoreiro@terra.com.br.
Luiz Fernando de Paula é professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ e pesquisador do CNPq. E-mail: luizfpaula@terra.com.br
Souza, Cristiano Ricardo Siqueira de - TESE, usp, 2009
Resumo Original
De acordo com um ramo da literatura de comércio internacional, aumento expressivo nos preços de recursos naturais pode causar forte crescimento na receita de exportação desses bens, que causaria apreciação da taxa real de câmbio e perda de competitividade das exportações e da produção de bens manufaturados. Em casos extremos, haveria encolhimento desse setor, efeito esse denominado desindustrialização. Esse conjunto de efeitos é comumente denominado doença holandesa. A apreciação da taxa de câmbio no Brasil, experimentada a partir de 2003, gerou debate entre economistas, acadêmicos ou não, a respeito da possível ocorrência de sintomas da doença holandesa no Brasil. A maior parte desses trabalhos e opiniões se amparou em observações dos dados para tomar posição a favor ou contra a ocorrência do fenômeno, sem aparente consenso. Este trabalho busca testar a hipótese do país ter apresentado sintomas da doença holandesa no período de 1999 a 2008 e contribuir com a literatura através do emprego de técnicas econométricas tradicionalmente observadas em trabalhos sobre o tema, abordagem essa distinta e inédita para o caso brasileiro. A estimação de relações de cointegração (VECM) mostrou ligação positiva entre preços de commodities e a taxa real de câmbio no Brasil, principalmente a partir de 2003, porém não corroborou a relação negativa entre os mesmos e exportações e produção de bens manufaturados que seria necessária na ocorrência da doença holandesa. O emprego da equação de gravitação para analisar a ligação entre esses preços e as exportações de bens manufaturados em um painel de 172 países tampouco encontrou indícios da ocorrência desse fenômeno. Concluiu-se, portanto, que entre 1999 e 2008 não há evidências indicativas de que o Brasil tenha apresentado os sintomas da doença holandesa.
Taxa de câmbio e projeto de desenvolvimento
João Sicsú
30/09/2009
A taxa de câmbio é um elemento-chave de um projeto de desenvolvimento. Essa constatação é fundamental: além de ser essencial para auxiliar o esforço de crescimento econômico, a administração cambial deve ser compreendida como um instrumento nevrálgico que deve fazer parte de um projeto de desenvolvimento. A macroeconomia e seus preços básicos, isto é, juros e câmbio, podem definir os rumos de uma sociedade, se esta está caminhando em direção ao progresso ou ao atraso.
Em relação à taxa de câmbio, já foi percebido que existe uma tendência forte à sua valorização nos países em desenvolvimento, devido às possibilidades econômicas que caracterizam esses países. Tais economias podem ser exportadoras de itens básicos, podem ser atrativas para o investimento direto estrangeiro ou podem ainda ter ativos financeiros atraentes. Portanto, essas economias podem sofrer de doença holandesa ou de outras enfermidades cambiais valorizativas.
Embora uma taxa de câmbio competitiva seja um elemento muito importante de um projeto de desenvolvimento, porque pode abrir mais um mercado demandante de produtos domésticos, cabe ser mencionado que o mercado interno se diferencia do externo porque o primeiro pode ser estimulado por meio de políticas fiscais, monetárias, de socialização da riqueza e de elevação da renda; enquanto o segundo depende, quase que exclusivamente, de variáveis que não estão sob o controle doméstico, como o crescimento da economia mundial. Embora o canal de demanda externa deva ser fortemente utilizado em um projeto de crescimento, dentro de uma visão keynesiana-desenvolvimentista de redução de incertezas, o mercado interno, que pode ser estimulado por políticas governamentais, deve ter um papel de grande destaque dentro de um projeto de crescimento com desenvolvimento.
Uma taxa de câmbio competitiva é resultado de vontade política que deve ser expressa em decisões e ações governamentais. Uma taxa de câmbio de equilíbrio de mercado é uma taxa não competitiva, embora represente as forças conjunturais e estruturais presentes em economias que buscam o desenvolvimento. Uma política cambial adequada ao desenvolvimento é exatamente aquela que se confronta com as forças conjunturais que contribuem para o baixo crescimento e, simultaneamente, se opõe às forças estruturais que promovem o atraso.
Uma taxa de câmbio competitiva é aquela que estimula a industrialização mais sofisticada, que possui densidade tecnológica. Sendo assim, uma política industrial de desenvolvimento e absorção de tecnologia deve complementar uma política de administração de uma taxa de câmbio competitiva. Isto se faz necessário porque o preço cambial é apenas uma das variáveis que pode estimular a industrialização sofisticada; outras variáveis como, por exemplo, custos locacionais devem ser também observadas e, então, necessitam de políticas correspondentes para enfrentá-las.
A estratégia de sofisticação da indústria que seja capaz de tornar empresas competitivas no mercado internacional é necessária porque torna a sociedade proprietária de vasto conhecimento, o que lhe oferece flexibilidade para refazer planos de desenvolvimento. Países que produzem apenas itens básicos ou semibásicos (que não possuem tecnologia) estão fadados a participar de uma única via de inserção internacional que os condena ao atraso. Tal inserção é aquela em que, por exemplo, exportam grãos verdes de café para países que não plantam sequer um pé de café, mas se tornaram os maiores exportadores de valores do produto após selecioná-lo, processá-lo, embalá-lo... enfim, agregam valor com uso de tecnologia. Países detentores de conhecimento possuem estratégias flexíveis de desenvolvimento. Em outras palavras, países desenvolvidos estão sempre se desenvolvendo porque descobrem novas oportunidades e têm conhecimento para aproveitá-las. Países atrasados, quando descobrem novas oportunidades, são obrigados a "arrendá-las" aos desenvolvidos, aumentando ainda mais a distância que os separa em termos de desenvolvimento e qualidade de vida.
A industrialização sofisticada competitiva no mercado internacional e abastecedora do mercado interno cria um ambiente para uma oferta mais igualitária de oportunidades e para uma distribuição menos injusta da renda e da riqueza. A industrialização deve ser formalizada, isto é, deve ser contabilizada do ponto de vista ambiental, social e econômico pelo Estado, gerando mais arrecadação de impostos visando à universalização de oportunidades, mais garantias e direitos trabalhistas, salários maiores compatíveis com a produtividade mais elevada e relações sócio-ambientais sustentáveis.
Mas como deve ser feita a administração de uma taxa de câmbio competitiva, industrializante? Um regime cambial deve ser estabelecido, isto é, regras, políticas, metas, objetivos e instrumentos devem ser organizados para esse fim. Mas, em primeiro lugar, as taxas que remuneram ativos financeiros domésticos devem ser suficientemente baixas para que a avalanche de recursos financeiros internacionais não invada a economia brasileira, promovendo uma pressão cambial valorizativa.
Além disso, o Banco Central deve formar reservas para enxugar o mercado de divisas e para que tenha moeda estrangeira em volume suficiente, para evitar desvalorizações abruptas em momentos de elevação do risco. Demandas internas por moeda estrangeira devem ser criadas: uma sugestão são estímulos fiscais à compra de máquinas e equipamentos importados. Políticas de regulação do movimento financeiro internacional devem ser estabelecidas para residentes e não-residentes. Assim como devem ser criados impostos sobre a exportação de itens básicos.
Esse é um dos caminhos factíveis rumo à superação de barreiras conjunturais e estruturais que valorizam a taxa de câmbio e condenam a economia ao crescimento moderado e ao atraso. Um regime cambial administrado, estável e competitivo, ao lado de um orçamento equilibrado, com pleno emprego e de juros muito baixos, formam o tripé de um genuíno modelo keynesiano-desenvolvimentista.
João Sicsú é diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do IPEA e professor do Instituto de Economia da UFRJ. Autor do livro Emprego, Juros e Câmbio (Campus-Elsevier).
Na crise, a primeira reação das instituições privadas foi reduzir prazos
Bancos públicos, crédito e a eficácia das políticas anticíclicasAntonio Alves Jr e Rogério Studart
29/01/2010
Existência de sólidas instituições públicas no Brasil é fundamental para o desenvolvimento do país no longo prazo
A crise financeira americana acabou se mostrando para o mundo como um tsunami, com consequências ainda em desdobramento. Somente os países que tinham espaço e instrumentos para implementar políticas anticíclicas, conseguiram manter-se "acima do nível da água". No caso do Brasil, os resultados até agora alcançados são invejáveis: saímos da crise com um crescimento anual próximo de zero em 2009, resultado excelente diante da gravidade da crise, especialmente quando se considera a criação de quase 1 milhão de empregos com carteira assinada; e geraram-se as condições de um crescimento de mais de 5,5% no próximo.
Esses resultados só foram possíveis, cremos, pela atuação de sólidos bancos públicos (como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal). Eles tiveram um papel fundamental em, pelo menos, três componentes importantes da resposta anticíclica: manutenção do nível de financiamento; evitar um possível colapso do crédito privado; e facilitar a política anticíclica fiscal. Entender essa relação pode ser fundamental para definir políticas econômicas no futuro.
Comecemos com o mais evidente: a relação entre crédito público e o nível agregado de crédito na economia. Um dos primeiros sintomas dos efeitos da crise sobre o Brasil foi a reação do setor financeiro privado. Frente a uma situação de crescente incerteza, os bancos privados brasileiros adotaram um comportamento defensivo: buscaram ativos líquidos e reduziram fortemente o ritmo de expansão dos empréstimos. Mesmo com o aumento significativo de recursos disponibilizados aos bancos privados pelo Banco Central, o efeito sobre o crédito privado foi pífio: no início da crise, o saldo das operações de crédito privado cresceu, em termos reais, pouco mais de 1%; entre setembro de 2008 e novembro de 2009, cerca de 4,5%. Nos mesmos períodos, as operações dos bancos públicos expandiram-se em 11,6% e 37,5%.
O papel do crédito público foi além de compensar a queda do privado e, cremos, evitou, inclusive, uma retração real dos empréstimos privados. Isso porque numa situação de incerteza, como já mencionamos, a reação primeira dos bancos privados é de reduzir prazos e aumentar as taxas de empréstimos. Junte-se essa tendência à abrupta queda da produção industrial no início da crise, e as empresas teriam sua capacidade de repagamento comprometida duplamente, tanto pelo aumento dos custos financeiros como pela queda das receitas. Caso os bancos públicos não tivessem reagido rápido, poderia ter havido crescimento da inadimplência. Nessas circunstâncias, os bancos privados tenderiam a reduzir ainda mais o volume e os prazos de financiamento, enquanto as empresas teriam de ajustar-se cortando empregos e gastos. Teríamos provavelmente uma processo vicioso conhecido como crise Minskyana. Evitar esse processo foi, portanto, o segundo componente do apoio dos bancos públicos para superarmos a crise.
Um outro pilar da resposta anticíclica no Brasil foi a política fiscal, e também aqui a expansão do crédito público foi fundamental para garantir seu impacto - sobre a geração de renda e emprego - e sua eficácia, definida aqui como aquela que tem efeito anticíclico ampliado ao mesmo tempo que gera infraestrutura e capacidade produtiva para apoiar uma retomada sustentada do crescimento. Para entender isso temos de separar a resposta fiscal em duas parte: uma se deu por meio da transferência direta de renda e estímulo à demanda por bens de consumo; outra teve a ver com a manutenção e estímulo ao investimento. Em ambos os casos, garantir condições de crédito adequadas foi crucial.
Primeiramente, se a demanda agregada expandida pelo aumento do salário mínimo e pela ampliação do Bolsa Família se confrontasse com uma produção de bens de consumo restrita ou sujeita a condições financeiras deterioradas (de juros e prazos), parte do ajuste entre oferta e demanda se daria por meio de mais inflação, menos emprego e menos renda. Em segundo lugar, uma deterioração das condições de financiamento impactaria de forma diferenciada os produtores, de acordo com o volume de capital necessário e do tempo transcorrido entre a encomenda e a entrega dos bens e serviços oferecidos. Por exemplo, as encomendas de bens e serviços para atender ao gasto de custeio são menos dependentes de crédito, considerando que seu ciclo produtivo é tipicamente curto, enquanto os investimentos públicos em rodovias, saneamento e habitação popular, ou os investimentos das empresas estatais dependem mais das condições e volume de crédito. Caso os bancos públicos não tivessem feito qualquer tentativa de ampliar esses gastos, em condições de elevada incerteza, com crédito privado escasso e caro e menor acesso ao financiamento no mercado de capitais, seria constrangida pela falta de financiamento.
Assim, tudo mais constante, não fosse a resposta dos bancos públicos, o impacto da política fiscal seria limitado e tenderia a se concentrar nos gastos de curto prazo. Consequentemente, setores como a construção civil e os estaleiros seriam duramente afetados, atrasando a geração de empregos, e prejudicando o crescimento da infraestrutura, tão cara para pavimentar o caminho do desenvolvimento sustentado. Mas isto não ocorreu: de fato, o investimento do governo federal subiu de 0,9% do PIB, em 2008, para 1,1% do PIB, em 2009, enquanto os investimentos das estatais se elevaram de 1,4% do PIB para 1,9% do PIB. Mais ainda: as empresas privadas que concorreram às licitações das obras do PAC e dos demais programas de investimento puderam ter acesso a financiamento. E isso só foi possível porque os bancos públicos recriaram o acesso aos recursos financeiros para as empresas que forneceram bens e serviços diretamente encomendados ou fomentados pelo governo.
Em suma, a existência de sólidos e significativos bancos públicos no Brasil é reconhecidamente fundamental para nosso desenvolvimento no longo prazo. Na crise, mostrou-se também um importante determinante da eficácia e impactos das políticas (monetária e fiscal) anticíclicas, o que explica em grande medida porque somos umas das poucas economias no mundo que estão enfrentando esse tsunami econômico como se esse houvera sido realmente uma "marolinha".
Antonio José Alves Junior é professor de economia da UFRRJ e chefe do DEREG/BNDES.
Rogério Studart e diretor-executivo adjunto do Brasil e de oito outros no Banco Mundial।

Um novo arcabouço de política econômicaJosé Luís Oreiro e Luiz Fernando de Paula30/03/2010
Há muito temos defendido propostas de política econômica para o Brasil que visem criar condições para um crescimento mais robusto, acompanhado de estabilidade financeira e estabilidade de preços. Entre tais propostas incluem-se a manutenção de uma meta de inflação em patamares mais elevados do que os prevalecentes nos países desenvolvidos, ou seja, num intervalo entre 4% e 5% ao ano; adoção de políticas fiscais genuinamente anticíclicas, com a geração de déficits em conta corrente do governo nos períodos de crescimento abaixo do potencial e superávits nos períodos de crescimento; a compatibilização entre a meta de inflação com uma meta implícita de câmbio, de modo a evitar uma maior volatilidade cambial e uma tendência mais acentuada a apreciação cambial (inclusive com a criação de fundo de estabilização cambial e a implantação de controles de capitais); o uso de regulamentação financeira para evitar os excessos do mercado financeiro; e, por fim, um conjunto de reformas no sistema financeiro, incluindo uma política mais ativa de redução na participação das LFTs na composição da dívida mobiliária do setor público. Essas propostas foram veiculadas em livros que coeditamos como "Agenda Brasil" (Manole, 2003) e "Política Monetária, Bancos Centrais e Metas de Inflação" (Ed. FGV, 2009), e em vários artigos publicados neste jornal.
Tais propostas foram desqualificadas como "pajelança" por alguns economistas ortodoxos brasileiros. Apesar disso, algumas das mesmas foram incorporadas, ainda que parcialmente, à agenda de política econômica do governo, como a ideia de desvincular alguns projetos de investimento público do cálculo do superávit primário, a decisão acertada do governo de manter a meta de inflação em 4,5% ao ano., a utilização do IOF sobre entradas de capitais, e o uso da política fiscal no contexto do contágio de crise financeira internacional.
Eis que recentemente o FMI publica dois artigos, um que defende uma mudança na agenda de política econômica, de autoria de Oliver Blanchard e outros; e outro (Ostry et al) que defende, sob certas circunstâncias, o uso de controles de capitais como parte da política de gerenciamento dos fluxos de capitais.
O artigo de Blanchard apresenta os contornos gerais de um arcabouço de política econômica alternativo ao que poderia ser chamado de "consenso macroeconômico" prevalecente até a crise econômica de 2008. Para o referido consenso a política macroeconômica deveria ser conduzida com base nos seguintes princípios: 1) fixação de um único objetivo para a política monetária: obtenção de uma taxa de inflação baixa e estável; 2) a política monetária, conduzida sob um regime de metas de inflação, deve ter como único instrumento a taxa de juros de curto prazo; 3) o único objetivo da política fiscal deve ser a estabilização da dívida bruta do setor público como proporção do PIB; e 4) a regulação financeira deve ser pensada de forma independente dos impactos macroeconômicos da mesma, focando apenas em instituições e mercados.
Segundo Blanchard, os fundamentos desse consenso foram seriamente abalados com a crise econômica. Em primeiro lugar, a crise mostrou aos formuladores de política econômica que a manutenção de uma taxa estável de inflação não é condição suficiente para a estabilidade macroeconômica. Isso porque o comportamento dos preços dos ativos, dos agregados de crédito e, até mesmo, a composição da produção podem criar forças desestabilizadoras dentro do sistema econômico que levam, a médio e longo-prazo, a ocorrência de uma crise financeira de grandes proporções. Em segundo lugar, a fixação de uma meta de inflação muito baixa reduz consideravelmente o espaço para a redução da taxa nominal de juros quando a mesma for necessária para se lidar com os efeitos de uma crise financeira.
Assim, os custos da perda de flexibilidade de uma meta de inflação muito baixa superam, em muito, os possíveis ganhos de credibilidade que possam gerar. Em terceiro lugar, a manutenção de um "espaço fiscal" - entendido como uma relação dívida bruta/PIB entre baixa e moderada - se mostrou de importância fundamental para uma pronta e decisiva resposta da política fiscal a crise financeira. Por fim, o escopo limitado da regulação financeira forneceu os incentivos necessários para os bancos criarem operações "exóticas" fora do seu balanço, de forma a contornar os limites de alavancagem estabelecidos pelo Acordo da Basileia, o que acabou por aumentar a fragilidade financeira do sistema como um todo.
Em função das lições aprendidas com a crise, Blanchard propõe a reformulação do arcabouço de política econômica em torno das seguintes linhas gerais: a) no caso dos países desenvolvidos, as metas de inflação devem ser fixadas em patamares mais elevados (cerca de 4% ao ano) de forma a aumentar o espaço de manobra para a condução da política monetária em casos de crise; b) mudança do modus operandi da política monetária de tal forma que a condução da mesma deixe de ser feita exclusivamente por intermédio de alterações da taxa de juros de curto prazo, passando a incluir operações com títulos de diferentes prazos de maturidade de forma a influenciar o prêmio de liquidez dos ativos de longo prazo e, portanto, a inclinação da curva de rendimentos; c) adoção de uma política fiscal efetivamente contracíclica de tal forma a preservar o "espaço fiscal" nos anos nos quais a economia está crescendo de acordo com o seu potencial; d) para os países pequenos que adotam metas de inflação, as mesmas devem ser compatibilizadas com algum tipo de administração da taxa de câmbio por intermédio das operações esterilizadas de compra/venda de moeda estrangeira, as quais, na presença de mobilidade imperfeita de capitais permitem, dentro de certos limites, a fixação independente de câmbio e juros. Quanto ao último item, Blanchard argumenta que os BCs devem incorporar a estabilidade da taxa de câmbio na sua "função objetivo", uma vez que a manutenção de uma taxa de câmbio competitiva e estável é condição necessária tanto para a estabilidade financeira, pois parte dos passivos do setor privado é denominada em moeda estrangeira, como também a competitividade externa do setor de "tradeables".
Portanto, o ícone da ortodoxia mundial passou a reconhecer como "corretas" uma parte das políticas econômicas que a "ortodoxia tupiniquim" desqualificava como "pajelança". É momento de discutirmos seriamente qual a política econômica mais apropriada para os tempos pós-crise.
José Luís Oreiro é professor do departamento de Economia da UnB e diretor da Associação Keynesiana Brasileira (AKB).
E-mail: joreiro@unb.br.
Luiz Fernando de Paula - professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ e presidente da AKB.
E-mail: luizfpaula@terra.com.br
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